Introdução
Um pescador de terras e lavrador de mares, tem o dom de purificar pensamentos pela mestria da frase, onde a palavra em orgasmo, pela crítica sublime e em apoteose, nos canta o hino do amor e da clarividência.
Flávio é daquelas descobertas que nos faz pensar que estamos mediante um simples vitral, quando na verdade se trata do mais refinado dos diamantes. Um estilo muito próprio faz da sua escrita algo de supra maravilhoso, num estilo deveras fantástico, sem no entanto deixar de nos transportar entre a realidade crua e nua e o belo do mundo onírico, que medeia o melhor entre o sonho e a realidade.
Flávio é um escritor como poucos, consagrado pelo que é e não pelos canones do saber instituído.
Existe uma nova vaga de (alguns) escritores de novos afectos e cunho ao novo século e paradigma civilizacional em que vivemos, e Flávio é sem dúvida um porta-estandarte desses novos valores que ajudam a humanidade na sua busca incessante da descoberta de quem somos e nessa descoberta o podermos sonhar ir mais além no conceito que faz do homem o ser humano que não é mas que se deve tornar.
Flávio não é, é.
(Texto de José Lourenço (jsl) a ser incluido no próximo livro: “sou um louco que sabe tocar acordeão”)
Pequena nota biográfica
Flávio Lopes da Silva, nasceu em Barcelos há 34 anos e reside em Barcelinhos, freguesia separada pelo rio cávado.
Além a escrita, a guitarra clássica é o porquê das suas viagens sem ter de ir.
Tem formação de música clássica, em viola dedilhada e, desde muito novo que os seus tempos livre é dividido entre a música e a escrita.
Aos dezoito anos começou a tocar em bares, formando um dueto à qual ainda se mantém nos dias de hoje.
Tem três livros editados: Nós vezes nós, de poesia, editado em 2006.
e Líquida Obsessão, de contos, editado em 2007 e Sétimo Vão, de poesia, editado em 2008.
E vai editar ainda este ano, em Dezembro, o seu 4º livro, textos de performance poética, chamado : Sou um Louco que Sabe tocar acordeão.
Fundou a Associação Às Artes – Movimento Artístico-Cultural de Barcelos, à qual preside e é membro do Grupo Surrealista de Barcelos.
A sua actividade literária vai desde a crónica, onde quinzenalmente publica no jornal a Voz do Minho, com o título, Teoria dos Calhaus, escreve para teatro, já escreveu um guião para um filme de baixo orçamento chamado REALIDADES, e contos infantis, onde prevê editar num futuro próximo.
Um dos projectos que tem na mesa é a realização de sketches humorísticos. Já que a vertente humorística é um lugar onde se sente bem.
“Inspiro-me nas pessoas, naquilo que toco e não toco, na mancha da parede, no descascamento das árvores, etc. Enfim, tudo vale como incenso poético”
Entrevista
Pedra Filosofal - Quem é o Flávio escritor e o Flávio músico? Um complementa o outro, ou são duas partes distintas duma só pessoa?
Flávio Silver - Claro que a escrita tem um ritmo, um pulso, uma acelaração em que, graças ao facto de eu ter formação musical (clássica), isso é como ter um ventinho bom a soprar-me nas costas e, como resultado: aí vou eu!
Na escrita os sons também são importantes, assim como a criação das imagens que palpitam pelos poros, que começam num trote e depois segue o galope - a isto chama-se: imaginação: a paixão de quem se arrisca em cada frase. A dualidade música\escrita é um sémem tão perfeito que é capaz de fecundar dentro de uma pedra. Eu, enquanto músico, sou uma espécie de vento que percorre a cidade às duas da manhã e, enquanto escritor, sou a própria cidade.
A música e a escrita são duas mulheres, duas amantes que dormem comigo na mesma cama. (como diz o val: poligâmico!). Agora é que me tramei quando minha esposa ler esta entrevista e saber que afinal haviam outras!
Godi - Como você vê a função da arte, em geral, concentrando-se, preferencialmente sobre o viés literário?
Flávio Silver - A arte tem e deve devolver às pessoas as suas capacidades mentais enquanto seres pensantes. É uma forma de comunicar com o mundo interior onde as regras e as leis são abolidas dos fundamentos impostos pela sociedade em geral, estabelecendo desse modo a ponte e os eixos entre o bem e o mal, onde através de diversas expressões artísticas interage-se numa linguagem comum. A arte deve partir do inconsciente da pessoa como tentativa de rezar a um deus interior, como um ópio livre que transpõe barreiras. Na literatura a arte deve assumir o papel de agente imagético onde as coisas mudam de lugar sempre que o autor quiser, sem perguntar: posso entrar?
Valdevinoxis - Sem fugir muito deste teu registo, queria que nos dissesses o que é que te leva a encostar às tuas duas amantes (música e escrita) e como é que, de facto, surges ou te insurges na escrita? São amores de infância ou, pelo contrário, já o foram adultos?
Flávio Silver - Surgi na escrita como quem viesse por detrás das minhas costas e me empurrasse, ou seja, comecei por tocar guitarra e, como consequência natural, passei a escrever as minhas canções, o que pelas minhas contas mal feitas devo ter seguramente mil e tantas letras. Depois e, após ter rimado tudo com mais alguma coisa, de ter ganho calos nos olhos a compor decassílabos e heptassílabos, daqui até à poesia, crónica, conto e outros estilos literários foi um assobio. Por volta dos meus 14 anos segui, como quem segue um destino, um amigo meu, muitíssimo popular por estas bandas, o Quim Ricocas, ou, O Dob Dylan de Barcelos, que, através do seu surrealismo absoluto me levou para patamares nunca dantes realizados. Quer a escrita quer a música surgiram na minha vida por volta dos três dias de idade ( ) e, o resultado disso, é que passo horas a tentar reconstruir a minha infância na base da construção de imaginários e frases que façam catapultar para outras dimensões por enquanto ainda não-palpáveis pelo comum mortal. Enfim, a base de todo o meu manifesto assenta na Liberdade, Amor e Combate. Gosto da possibilidade íntima e infinita de construir o meu barco, o meu leme e os meus tripulantes (acho que já disse isto em algures). Gosto de destruir para depois reconstruir o meu próprio Mito. Leiam por favor o método paranóico-crítico do Salvador Dali.
Paulo Afonso Ramos - Conta-nos as tuas aventuras pelo mundo das artes e como te sentes bem dentro dele? (projectos etc)
Flávio Silver - Tenho vários projectos. Neste momento sou presidente da Associação Às Artes-movimento artístico-cultural de Barcelos. Tenho 3 livros editados e participei em diversas mesas redondas (incluindo mesas de tascos) para falar um pouco de artes e letras, sempre ao sabor de uma brisa policultural. Emoções?!, por ter várias, levaria horas a contá-las, mas, no entanto, é do miolo dessas experiências que se fortifica o atleta que sou, na escrita e na vida, já que, para além deste tipo de feições meias amarroquinadas, com trejeitos inconscientes, um atrevido surrealista, sou pai de duas meninas e, nesse sentido tenho sempre bons motivos para descer à Terra.
Pois é sabido que a arte transcende qualquer um e, se assim não é, o melhor é dedicar-se a outras lides.
Sara, a esposa do Flávio (em jeito de provocação) – Completa esta frase: se não fosses um “bom” escritor e um “bom” músico serias...
Flávio Silver - Seria um bom pasteleiro! Ou talvez um excelente marido. (a segunda parte da resposta fui forçado a dá-la, juro!). Adoro doces, meu doce!
Vera Silva - Acreditas que a escrita tem o poder de te transformar enquanto homem? Depois da experiência com os teus livros, achas que os jovens já lêem mais? E o que pensas dos novos “dialectos” criados pelos jovens na internet e nos sms? Um livro poderá ajudar a que se mantenham ligados ao português?
Flávio Silver - A escrita oferece o molde do fantástico mundo e, quem quiser coloca lá a cabeça, quem não quiser... que continue a ver a TVI. Enquanto homem, regedor democrático, é claro que a escrita transforma o meu quotidiano, uma vez que, por exemplo: dentro da minha fascinação posso morder a cabeça de um touro e na realidade tenho que me cingir aos cânones sociais e gritar baixinho (tem dias) para que não me chamem de louco. Penso que os jovens lêem mais, talvez porque a escrita virou modinha, uma farsa para adornar a falta de intelectualidade, mas, do consumismo invertebrado até à compreensão lógica e moral das Coisas vitais, isso agora... Mas pode ser um princípio. Até ver! Os novos “dialectos” criados pelos jovens na internet e nos sms marcam um determinado grupo de pessoas, uma certa faixa etária e, por conseguinte, eu, no meu espírito alargado, vejo riqueza nessas linguagens derivadas, pois o que importa é a comunicação, o jeito como as dizemos é tanto ao quanto banal. Sinceramente, a mim não me impressiona nada que a canalha brava use os seus códigos de linguagem, já que, se reportarmos a época para cem ou duzentos anos atrás, a mudança para o que é hoje foi bem maior. Basta consultar um site da especialidade e verão que estou certo. (www.avkd.blogtok.com). Um livro ajuda sempre a manter o elo com o português, com o que é institucionalmente consagrado, embora que a língua falada não compadeça com a escrita; Um pouco rivais até. Mais! Um livro para além do aspecto de se poder beber de todas as fontes do saber, e demais tretas, ajuda-nos a organizar ideias e a reflectir sobre ao que viemos aqui fazer. Isto sim, importa considerar e reconsiderar todas as heranças de testemunhos deixados. Claro que, e é bom não nos esquecermos, a Língua Portuguesa é o maior património do nosso país. Portanto, para quem não sabe isto, digo: eduque-se!
Por outro lado, reconheço que a linguagem tende a ser simplificada, e “por isso ou por enguiço” meus caros, temos de conviver com estas novas formas de simplificação, sem falsos dramas. Quantos aos supostos intelectuais, aos que se sensibilizem com uma única picada, esses, que se danem! E, como diz(ia) o Mário de Cesariny, afinal o que importa não é só a literatura!
TrabisDeMentia - "Perdoai-me Senhor por ser a palavra a minha hóstia, meus versos mal caligrafados serem as vestes rasgadas pelos amantes." - in carrocel-nave. Entre o Sagrado e o Profano, onde colocarias a tua escrita?
Flávio Silver - Bem ou mal, quando escrevo dispo o meu fato solene. Que por vezes ganho grandes almejadas erecções (?). Crio as minhas sementes e as minhas raízes e, quem provar dos meus frutos posso garantir que não ficará nem cego nem surdo. A minha escrita normalmente espreita do alto de uma figueira, faz cócegas em Deus e diz-lhe o que tem a dizer. Tento sem rodopios comandar o jogo, nem que para isso tenha de me atrever a ir buscar advérbios ao cu do mundo. O surrealismo puxa-me para o seu dorso. Sei que é um jogo arriscado mas eu aposto todos os vestidos da minha alma. Se ficar nu, há-de haver um olho secreto que me puxará para o cósmico Deus. Poderá ser esta a tradução daquilo que escrevo, poderá ser este o sinal de que vivemos para lutar, para amar, para cometer um crime, para colocar panfletos de Amor, Amor, Amor sobre os sexos. Direi que a minha escrita situa-se entre o cabo do mundo e o imaginário, no conceito da dupla imagem, Herbertiana às vezes e Flaviana sempre.
JSL - Qual é para ti a maior virtude e o pior defeito desta comunidade - Luso-poemas? O que mudavas?
Flávio Silver - A maior virtude - parafraseando um saber popular - é: mais vale andar aqui do que andar na droga (risos). O pior defeito é: ainda bem que os há, pois se acaso não os houvesse, qualquer santo milagreiro desconfiava. Mudar? Todas as casas se arrumam, umas pela Páscoa, outras pelo Natal, enfim, é certo e sabido que qualquer casa ao fim de um não sei quanto tempo começa a ganhar poeiras e uns aracnídeos indigestos. Na minha condição de inquilino, e feitos todos os somatórios: de renda não pago nada, bebo alguns poemas e ninguém cobra nada por isso, alguns há que até me fazem sonhar, então, quem conhecer melhor lugar do que este que dê um sinal bem alerta. Aqui estarei para ajudar a mudar lâmpadas, a consertar canalizações e outros véus aparentemente acetinados se for verdade que essa Verdade existe.
JSL - Qual seria a pergunta que me farias se eu fosse o Luso do Mês?
Flávio Silver – Amigo JSL, para quando um Homem novo?, aquele Homem costurado com bons pensamentos em vez deste que usa fio e agulhas?!
JSL - Porque é que farias essa pergunta?
Flávio Silver – (vou falar como se não estivesses a ouvir) - Porque o José Lourenço (JSL) não pensa por um nem por mil nem por um milhão, essa pessoa de aspecto frágil, mas decidida, pensa pelo mundo inteiro. É uma espécie de Noé que, nas suas ligações directas, há-de um dia construir um novo mapa das civilizações - um verdadeiro arquipoeta da sensibilidade humana. E mais não digo... pois se quiserem saber mais sobre este homem que para ver ao longe não precisa de lunetas, consultem a sua mente, entrai pelos seus olhos dentro e fixem a luz. Mas cuidado! Não olheis muito de frente, pois podeis cegar se acaso a vossa Razão for daquelas que se compra ao desbarato!
José Torres - a minha pergunta para ti: Escrever é morrer um pouco todos os dias. É saber afinal que a verdade, o belo, tem um preço a pagar. A arte nasce de um triângulo amoroso entre quem escreve, o seu eu espelhado e o outro. Tu pareces indiferente a isso. Escreves e pronto. Não te importas de me dizer como o fazes?
Flávio Silver – Sugiro: ...pareces in-diferente. A minha escrita baseia-se sobretudo no automatismo do desejo, do chamado amor louco. Não olho a escrita - e já o disse mais que uma vez - como uma necessidade ou vício feroz de um típico sofredor que escreve no desleixo de depositar suas mágoas miudinhas em papel perfumado.
Não utilizo a racionalização mas sim a anárquica-paixão-poética; aquilo que pressinto, vejo mas não olho, será talvez a chave do mistério.
Escrevo sem suportes, sem histórias à cabeceira, sem planificar o dia de amanhã, sem precisar de ir ao mar para falar dele.
Escrevo como a criança risca uma folha, unindo naturezas distintas, declarando guerra ao óbvio, caminhando pelos tempos verbais tal fackir sobre as brasas, ingenuamente feliz.
Para quê dar voltas à vida se o caminho é a direito?
Enfim, quando escrevo provo todas as imoralidades. E isso é uma liberdade que me excita bem.
JSL - Quem escolherias justamente para ser o Luso do mês, caso não fosses tu o escolhido? Após esta distinção, pensas abandonar o LP a exemplo de outros Poetas Lusos?
Flávio Silver - Bem, para além de mim e do José Lourenço (já que esta distinção está sendo partilhada por ambos, sarabá meu irmão!) escolheria...tantamtantam...que inicie o rufo do tambor...3 ...2 ...1... e o\a escolhido\a seria ........... Tânia Mara De Camargo, a rainha do soneto erótico, é a que levaria de mim parte do meu sangue poético para possíveis transfusões.
Em resposta à segunda parte da questão digo: Abandonada é a sobrinha da Agatha meus queridos, meus poetas!, A tal de Romana por terra de Lusos! Fiquem sabendo que eu, coronel dos tempos que hão-de vir, patriarca dos filhos futuristas, amante da velha anarquista, filho de um filho que hei-de parir em folha branca, jamais sairei a meio de um combate. Pois é por vós que rasgo terra para criar novos riachos e desse modo levar água a todas as sedes. Porque eu, Flávio Lopes da Silva, 34 anos, pai de duas luzes, cognome de Flávio Silver, tenho por vós a admiração do preço da Descoberta e o sabor das Viagens daqui e d'além satélites. Oxalá que o Luso esteja connosco. Ide em paz e que a literatura vos abençoe. Bye bye.
(Entrevista efectuada a 24-10-2008)