Entre Cós e Alpedriz é uma geografia essencialmente sentimental. Não por acaso o romance abre e fecha com dois poemas em que claramente se inscreve uma memória povoada (Só o murmúrio distante / das vozes ao longe / sussurrando / como que chamando por mim) e simultaneamente em perda (Badaladas do sino / Ecoam pela aldeia deserta (…) O sino dobra novamente a finados…).
O tempo que o sino da aldeia enquadra em solfejo melancólico é historicamente o século XX português, “abafado” pela longa e pesada sombra salazarenta, vivido numa aldeia do concelho de Alcobaça – Montes, situada entre Cós e Alpedriz. Mas é através de Joaquina Guiomar Afonso, a protagonista, que esse tempo histórico, que vai da Primeira República aos anos após a revolução de Abril, se plasma num destino humano de mulher, com as “pequenas” heroicidades e também com as pequenas “misérias” contingentes a uma vida “rural” e “humilde” que percorre o século.
Com uma escrita transparente, amiúde ancorada na linguagem viva do povo que retrata, capaz de criar atmosferas em meia dúzia de frases, de nos “dar a ver” personagens na sua individuação tanto como na interacção com os outros, de desenhar planos de conjunto em que homens, trabalho rural e festa não são separáveis, Entre Cós e Alpedriz é um romance entusiasmado com a sua matéria narrativa e que, por isso, tão fortemente nos contagia.
Arnaldo Lopes Marques