
Descoberta Do Inefável
Publicado em 16/04/2015 22:03:13 | Tópico: Lêdo Ivo
| A Lêda
Sem o sublime, que é o poeta? Sem o inefável, como pode louvar, não traindo a si mesmo, a plena e estranha juventude da moça a quem ama? Que é o poeta, que imita as marés, sem adquirir com o tempo uma serenidade de coisa sempre nua como se as estrelas estivessem caminhando governadas pelo seu riso e seus braços agitassem as árvores feridas pelo clarão da lua?
Sem que seu canto suba até os céus, sufocante música da terra, que é o poeta? Libertado estou quando canto. E quero que minha respiração oriente a vontade das nuvens e meu pensamento de amor se misture ao horizonte. Cantando, quero outubro, gosto de lágrima, salsugem, no instante anterior ao despertar, folha voando.
Sem o inefável, que dura sempre, sem permanecer, como conseguirei louvar essa moça a quem amo e que nasce em minha lembrança plena como a noite e triunfante como uma rosa que durasse eternamente e não se limitasse à glória de um dia? Sem o inefável, que valoriza as mãos e faz o Amor voar, não poderei descer de repente ao inferno de seu corpo nu.
O sobrenatural ainda existe. E não seremos nós que alteraremos a indizível ordem das coisas com as nossas mãos que poderão ficar imóveis em pleno amor, diante do corpo amado.
É inútil pensar que os anjos morreram ou se despaisaram, buscando outros lugares. Eles ainda estão, unidade admirável do Dia e da Noite, entre as nuvens e as casas em que moramos.
Repentinamente, as vozes da infância nos chamam para a feérica viagem e lembram que podemos fugir para o longe guardado ainda no sempre. Então, nossas necessidades não se reduzem apenas a comer, dormir e amar. Temos necessidade de anjos, para ser homens. Temos necessidade de anjos, para ser poetas.
Vem, incontável música, e anuncia (ao poeta e ao homem, humilde unidade) a ressurreição diária dos anjos. Restaura em mim a certeza de que a folha voando é seu indomável divertimento pois às vezes sinto que meu primeiro verso foi murmurado talvez sem que eu soubesse, por um anjo perturbado com o meu ar desesperado de papel em branco.
Não é a manhã, depositando a semente de alegria no coração dos homens. Não é a vida, cântico triunfal descendo sobre as almas. Não é o poeta, subindo pelos andaimes de carne da lembrança de uma mulher.
São os anjos, que vieram ligar-nos mais uma vez à ordem eterna e, à anunciação. Não nos libertaremos jamais desses anjos feitos de terra e mar, celestes criaturas que deixam cair em nós o sol da harmonia.
É inútil matar os anjos. Eles são invisíveis e traiçoeiros. De repente, quando nos sentimos seguros, já não somos os consumidores de instantes, e estamos entre o Dia e a Noite, no umbral de uma eternidade vigiada pelos anjos.
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