
Elmano a Gertrúria
Publicado em 06/10/2008 15:50:00 | Tópico: Bocage
| Cá do pé das gangéticas ribeiras, Inimigas da paz, e da alegria, Cá dentre serpes, tigres, e palmeiras: A ti, bela Gertrúria, Elmano envia Seus gemidos terníssimos, e ardentes Sobre as cinzentas asas da Agonia. Se o teu fiel carácter não desmentes, Se inda em teu coração não teve entrada A variedade, o vício, dos ausentes; Se do voto recíproco lembrada Suspiras por me ver, como suspiro Por dar-te beijos mil na mão nevada; Chorando escutarás o que profiro: Estes queixumes vãos, que entrego aos ares, Estes inúteis ais, que da alma tiro. Do santo abrigo de meus deuses lares Pela Sorte cruel desarraigado, E exposto em frágil quilha a bravos mares; Sobre as espaldas do Oceano inchado, Dirijindo tristíssimo lamento Contra o céu, contra Amor, e contra o Fado; Debalde conjurando o rouco vento, Em vão pedindo a Tétis sepultura Nas entranhas do mádido elemento: Pus, finalmente, os pés onde murmura O plácido Janeiro, em cuja areia Jazia entre delícias a ternura. Ali, como nas margens de Ulisseia, Prendendo corações brincavam, riam Os filhinhos gentis de Citereia; Mil Graças, que a vanglória trocariam Em vergonhosa inveja à tua vista, Usurpar-te meus cultos presumiam; Eis olham como fácil a conquista; Mas a fé me acompanha, a fé me alenta, E constância me dá, com que resista. Este combate a glória me acrescenta: Conhece-se o valor do navegante Em tenebrosa, horrísona tormenta. Contemplando na ideia o teu semblante, Pude evitar o escolho, onde naufraga O coração mais livre, e mais constante; Um virtuoso amor nunca se apaga: O tiro de outra mão não faz emprego Aonde a tua abriu tão doce chaga. Sempre no mais cruel desasossego, Sempre comigo mesmo em viva guerra, Às vastas ondas outra vez me entrego. Os negros furacões Eolo encerra, Até que aos frouxos olhos se me of'rece O bruto Adamastor, filho da Terra. Vê-me o monstro, que ainda não se esquece Da nossa antiga audácia, e logo exclama Com voz horrível, que trovão parece: "Oh tu, que de uma vã, caduca fama, De uma ilustre quimera ambicioso, A estrada vens saber do afoito Gama; Tu, dos servos de Amor o mais ditoso, Se as desordens fatais da louca idade Te houvesse reprimido o céu piedoso; Tu, que de uma terrestre divindade Memorando os encantos, e os agrados, Deliras entre as garras da saudade; O modelo serás dos desgraçados, Porque mais, ó mortal, a ver não tornas Meigos olhos, por Vénus invejados. As correntes de lágrimas, que entornas, Os suspiros, que exalas de contínuo, A singular paixão, de que te adornas, Nada revoga as ordens do Destino: Que eu de opaca procela estenda o manto Quer, e ao fatal decreto a frente inclino; Mas a tua aflição move-me tanto, Que os olhos meus, a permiti-lo a Sorte, Saberiam, por ti, que coisa é pranto. Das entranhas do inferno arranco a morte, Que a lei do Fado, a meu pesar, me obriga A que a vida misérrima te corte. Mares, lambei dos céus a base antiga, Morra Elmano; adejai, ddragões do Averno, Sobre o veloz baixel, onde se abriga!" Disse dos nautos o inimigo eterno, E aos ares arrojou no mesmo instante Medonhas trevas, pavoroso inverno. O céu troveja, Eolo sibilante Ora aos abismos, ora aos astros leva Entre as asas da morte o lenho errante: Sobre ele o mar violento a fúria ceva, Rebentam cabos, não governa o leme, Consternada celeuma ao ar se eleva. Em tanto horror meu coração não treme, Antes se alenta, agradecendo ao Fado Um bem, que impora, - a morte, que não teme. "Parcas! (eu grito) ó deusas, que a meu lado Andais brandindo as foices carniceiras, Inclinai para cá seu gume ervado: O golpe em mim descarregai ligeiras, Enquanto of'reço à cândida Gertrúria O final pranto, as vozes derradeiras." Céus! Que prodígio! O vento aplaca a fúria, E a teu nome adorado a própria Morte Não ousa, em dano meu, fazer injúria; Teu nome vence a cólera da Sorte: Torna a luz, foge a sombra, e já mil vivas Os muros vão ferir da etérea corte: Só eu choro o prazer, que tu motivas, Só eu sinto escapar deste perigo, Só eu culpo as estrelas compassivas. A próspera derrota assim prossigo, Até que vejo, e piso a sepultura Dos tristes, que não tem na pátria abrigo. Aqui vai sempre a mais minha amargura, Aqui, pela Saudade envenenado, Como espectro acompanho a Noite escura: Aqui ninguém me atende, (oh negro fado!) Nem deuses, nem mortais, ninguém me atende: Tão molesto se faz um desgraçado! Só teu suave nome, a quem se rende O próprio deus de amor, algum momento Meu pranto enfreia, minhas ânsias prende. Sou qual febricitante, que sedento Em libar fresca taça alívio goza, Afagando com ela o sofrimento. Ai gesto encantador, face amorosa, Que me inspiraste da paixão mais pura A doce chama, a chama deleitosa! Que torrente de gosto, e de ternura Fizeste borbulhar no meu semblante, Enquanto o permitiu minha ventura! Qual na cálida sesta o caminhante, Que em despenhada fonte, amena, e fria Matar o vivo ardor vai anelante; Tal nas asas do júbilo eu corria A saciar em ti, vista adorável, O sequioso amor, que em mim fervia. Oh lúbrico prazer! Fortuna instável! Apenas fui feliz, fui desgraçado: Oh catástrofe acerba, e deplorável! Mas tu, Gertrúria bela, ídolo amado, Tu, meu único bem, cuja mudança Me faria acabar desesperado, Por piedade não percas da lembrança O terno adeus, e as lágrimas, e os votos, Com que ele vigorou minha esperança. Vê que, entregue ao furor de horríveis Notos, Vim, só por me fazer de ti mais digno A climas, do meu clima tão remotos. Semblante, para mim sepre benigno, Reserva-me um sorriso: ele somente Pode o meu astro serenar maligno; Eles só me fará viver contente: Só nele está suspensa a minha glória, Só dele o meu sossego está pendente: Voemos para o templo da Memória, Nossa fidelidade ao orbe espante, E sirva de modelo a nossa história; A todo o baixo espírito inconstante Para castigo apontem-lhe a firmeza Do triste Elmano, e de Gertrúria amante; Obra a mais singular da Natureza, Erário dos seus dons, conheça o mundo, Que és tão rara em amor, como em beleza; Abunda nas saudades, em que abundo, Manda-me lá desses ditosos lares Nas asas da ternura um ai profundo, Não tope densa nuvem pelos ares, Que a fortaleza, que o valor lhe tire: Venha, ah! Venha, apesar de imensos mares, E em meus ouvidos, fatigado, expire.
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