
A lição de poesia
Publicado em 06/10/2008 14:30:00 | Tópico: João Cabral de Melo Neto
| A lição de poesia João Cabral de Melo Neto 1.
Toda a manhã consumida como um sol imóvel diante da folha em branco: princípio do mundo, lua nova.
Já não podias desenhar sequer uma linha; um nome, sequer uma flor desabrochava no verão da mesa:
nem no meio-dia iluminado, cada dia comprado, do papel, que pode aceitar, contudo, qualquer mundo.
2.
A noite inteira o poeta em sua mesa, tentando salvar da morte os monstros germinados em seu tinteiro.
Monstros, bichos, fantasmas de palavras, circulando, urinando sobre o papel, sujando-o com seu carvão.
Carvão de lápis, carvão da idéia fixa, carvão da emoção extinta, carvão consumido nos sonhos.
3.
A luta branca sobre o papel que o poeta evita, luta branca onde corre o sangue de suas veias de água salgada.
A física do susto percebida entre os gestos diários; susto das coisas jamais pousadas porém imóveis - naturezas vivas.
E as vinte palavras recolhidas as águas salgadas do poeta e de que se servirá o poeta em sua máquina útil.
Vinte palavras sempre as mesmas de que conhece o funcionamento, a evaporação, a densidade menor que a do ar. Home A lição de poesia (João Cabral de Melo Neto
FONTE: PORTAL SÃO FRANCISCO
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