
Lembranças de morrer
Publicado em 13/04/2007 00:10:00 | Tópico: Álvares de Azevedo
| Quando em meu peito rebentar-se a fibra, Que o espírito enlaça à dor vivente, Não derramem por mim nem uma lágrima Em pálpebra demente.
E nem desfolhem na matéria impura A flor do vale que adormece ao vento: Não quero que uma nota de alegria Se cale por meu triste passamento.
Eu deixo a vida como deixa o tédio Do deserto, o poento caminheiro - Como as horas de um longo pesadelo Que se desfaz ao dobre de um sineiro;
Como o desterro de minh'alma errante, Onde o fogo insensato a consumia: Só levo uma saudade - é desses tempos Que amorosa ilusão embelecia.
Só levo uma saudade - é dessas sombras Que eu sentia velar nas noites minhas ... De ti, ó minha mãe! pobre coitada Que por minha tristeza te definhas!
De meu pai... de meus únicos amigos, Poucos - bem poucos - e que não zombavam Quando, em noites de febre endoudecido, Minhas pálidas crenças duvidavam.
Se uma lágrima as pálpebras me inunda, Se um suspiro nos seios treme ainda, É pela virgem que sonhei... que nunca Aos lábios me encostou a face linda!
Só tu à mocidade sonhadora Do pálido poeta destes flores... Se viveu, foi por ti! e de esperança De na vida gozar dos teus amores.
Beijarei a verdade santa e nua, Verei cristalizar-se o sonho amigo ... Ó minha virgem dos errantes sonhos , Filha do céu, eu vou amar contigo!
Descansem o meu leito solitário Na floresta dos homens esquecida, À sombra de uma cruz, e escrevam nela: Foi poeta - sonhou - e amou na vida.
Sombras do vale, noites da montanha Que minha alma cantou e amava tanto, Protegei o meu corpo abandonado, E no silêncio derramai-lhe canto!
Mas quando preludia ave d'aurora E quando à meia-noite o céu repousa, Arvoredos do bosque, abri os ramos. Deixai a lua pratear-me a lousa!
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