
Em silêncio descobri essa cidade no mapa
Publicado em 20/06/2008 20:50:00 | Tópico: Herberto Helder
| Em silêncio descobri essa cidade no mapa a toda a velocidade: gota sombria. Descobri as poeiras que batiam como peixes no sangue. A toda a velocidade, em silêncio, no mapa - como se descobre uma letra de outra cor no meio das folhas, estremecendo nos olmos, em silêncio. Gota sombria num girassol. - essa letra, essa cidade em silêncio, batendo como sangue.
Era a minha cidade ao norte do mapa, numa velocidade chamada mundo sombrio. Seus peixes estremeciam como letras no alto das folhas, poeiras de outra cor: girassol que se descobre como uma gota no mundo. Descobri essa cidade, aplainando tábuas lentas como rosas vigiadas pelas letras dos espinhos. Era em silêncio como uma gota de seiva lenta numa tábua aplainada.
Descobri que tinha asas como uma pêra que desce. E a essa velocidade voava para mim aquela cidade do mapa. Eu batia como os peixes batendo dentro do sangue - peixes em silêncio, cheios de folhas. Eu escrevia, aplainando na tábua todo o meu silêncio. E a seiva sombria vinha escorrendo do mapa desse girassol, no mapa do mundo. Na sombra do sangue, estremecendo como as letras nas folhas de outra cor.
Cidade que aperto, batendo as asas - ela - no ar do mapa. E que aperto contra quanto, estremecendo em mim com folhas, escrevo no mundo. Que aperto com o amor sombrio contra mim: peixes de grande velocidade, letra monumental descoberta entre poeiras. E que eu amo lentamente até ao fim da tábua por onde escorre em silêncio aplainado noutra cor: como uma pêra voando, um girassol do mundo.
Não te queria quebrada pelos quatro elementos. Nem apanhada apenas pelo tacto; ou no aroma; ou pela carne ouvida, aos trabalhos das luas na funda malha de água. Ou ver-te entre os braços a operação de uma estrela. Nem que só a falcoaria me escurecesse como um golpe, trêmulo alimento entre roupa alta, nas camas. Magnificência. Levantava-te em música, em ferida - aterrada pela riqueza - a negra jubilação. Levantava-te em mim como uma coroa. Fazia tremer o mundo. E queimavas-me a boca, pura colher de ouro tragada viva. Brilhava-te a língua. Eu brilhava. Ou que então, entrecravados num só contínuo nexo, nascesse da carne única uma cana de mármore. E alguém, passando, cortasse o sopro de uma morte trançada. Lábios anônimos, no hausto de árdua fêmea e macho anelados em si, criassem um órgão novo entre a ordem. Modulassem. E a pontadas de fogo, pulsavam os rostos, emplumavam-se. Os animais bebiam, ficavam cheios da rapidez da água. Os planetas fechavam-se nessa floresta de som unânime pedra. E éramos, nós, o fausto violento, transformador da terra
Nome do mundo, diadema.
A oferenda pode ser um chifre ou um crânio claro ou uma pele de onça deixem-me com as minhas armas deixem-me entoar as onomatopéias, a minha canção de glória. À noite o cabelo frio de dia caminho por entre a fábula das corolas sim, eu sei, queimam-se de olho a olho selvagem mas não se movem mais altas que eu, mais soberanas, amarelas. Escuto a travessia cantora dos rios no mundo depois aparece a longa frase cheia de água. Guio-me pelas luas no ar desfraldado e grito de água para água levanto as armas gritando enquanto danço o algodão cresce fica maduro o tabaco. Ninguém fez uma guerra maior. Corno chumbado em sangue e osso, crânio com luz própria pousando na sua luz, na pele as pálpebras abrindo e fechando ¿quem se exaltava vestido com elas? Meti na boca um punhado de diamantes - e respirei com toda a força. E tremi ao ver como eu era inocente, assim com dedos e língua calcinados; e levando a mão à boca entoei a canção inteira das onomatopéias; era a guerra. Como se caça uma fêmea com tanto sangue entre as ancas? A ouro rude. Boca na boca enchê-la de diamantes. Que fique a brilhar nos sítios violentos. Doce, que seja doce, acre mexida na sua curva de argila sombria andando coberta de olhos, onça pintada no meio de flores que expiram. Quem ergue o hemisfério a mãos ambas acima da testa? quem morre porque a testa é negra? quem entra pela porta com a testa saindo da fornalha? O animal cerrado que se toca a medo: o braço estremece, o coração estremece até à raiz do braço entre carmesim e carmesim bárbaro, estremecem a memória e a sua palavra. Tocar na coluna vertebral o continente todo toda a pessoa - transformam-se numa imagem trabalhada a poder de estrela. Quando se agarra numa ponta e a imagem devora quem a agarra. No chão o buraco. da estrela -
Sobre os cotovelos a água olha o dia sobre
os cotovelos. batem folhas da luz um pouco abaixo do silêncio. Quero saber o nome de quem morre: o vestido de ar ardendo, os pés e movimento no meio do meu coração. O nome: madeira que arqueja, seca desde o fundo do seu tempo vegetal coarctado. E, ao abrir-se a toalha viva, o nome: a beleza a voltar-se para trás, com seus pulmões de algodão queimando. Uma serpente de ouro abraça os quadris negros e molhados. E a água que se debruça
olha a loucura com seu nome: indecifrável cego
**************************************************
|
|