
Em Louvor da Miniblusa
Publicado em 16/07/2013 18:47:40 | Tópico: Carlos Drummond de Andrade
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Hoje vai a antiga musa celebrar a nova blusa que de Norte a Sul se usa como graça de verão. Graça que mostra o que esconde a blusa comum, mas onde um velho da era do bonde encontrará mais mensagem do que na bossa estival da rola que ao natural mostra seu colo fatal, ou quase, pois tanto faz, se a anatomia me ensina a tocar a concertina em busca ao mapa da mina que ora muda de lugar? Já nem sei mais o que digo ao divisar certo umbigo: penso em flor, cereja, figo, penso em deixar de pensar, e em louvar o costureiro ou costureira — joalheiro que expõe a qualquer soleiro esse profundo diamante exclusivo antes das praias (Copas, Leblons, Marambaias e suas areias gaias). Salve, moda, salve, sol de sal, de alegre inventiva, que traz à matéria viva a prova figurativa! Pode a indústria de fiação carpir-se do pouco pano que o figurino magano reduz a zero, cada ano. Que importa? A melhor fazenda o mais cetínio tecido, que me bota comovido e bole em cada sentido, ainda é a doce pele, de original padronagem, pois adere a cada imagem qual sua própria tatuagem que ninguém copiará. Miniblusa, miniblusa, garanto que quem te acusa a cuca há de ter confusa. És pano de boca? O palco tão redondo quão seleto que abres ao avô e ao neto (à vista, apenas), objeto é de puro encantamento. No cenário em suave curva nosso olhar jamais se turva, falte embora rima em urva, pois é pelúcia-piscina onde a ilha umbilical vale a urna de São Gral, o Tesouro Nacional, vale tudo... e lembra a drósera, flor carnívora exigente que pra devorar a gente não cochila certamente. Drósera? Drupa, talvez, carnoso fruto de vida, drusa tão bem inserida na superfície polida que a blusa desvesteveste. Ai, blublu de semiblusa, de Ipanema ou Siracusa, que me perco na fiúza de capturar o mistério — Quid mulieris... ? — do corpóreo. Mas chega de latinório, vaníloquo verbolório e versiconversa obtusa de tudo que a musa canta, pois mais alto se alevanta o sem-véu da miniblusa.
Carlos Drummond de Andrade, in 'O Poder Ultrajovem'
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