
A dança das horas
Publicado em 01/01/1970 16:20:00 | Tópico: Guilherme de Almeida
| Frêmito de asas, vibração ligeira de pés alvos e nus, que dançam, tontos, como dança a poeira numa réstia de luz...
São as horas, que descem por um fio de cabelo do sol, e vivem num contínuo corrupio, mais obedientes do que o girassol.
Dançando, as doze bailarinas tecem a vida; e, embora irmãs, não se vêm, não se dão, não se parecem as doze tecelãs!
E, de mãos dadas, confundidas quase, no invisível sabá, elas são silenciosas como a gaze, ou farfalhante como o tafetá.
Frágeis: têm a estrutura inconsistente de teia imaterial, que uma aranha teceu pacientemente nos teares de um rosal.
E, entre tules volantes, noite e dia, o alado torvelim vertiginosamente rodopia, numa elasticidade de Arlequim!
Vêm coroadas de rosas, num remoinho cambiante de ouro em pó: cada rosa, que esconde o seu espinho, dura um minuto só.
Sessenta rosas, vivas como brasas, traz cada uma; e, ao bater da talagarça diáfana das asas, põem-se as coroas a resplandecer...
À proporção que gira à minha frente o bailado fugaz, cada grinalda, vagarosamente, aos poucos, se desfaz.
E quando as doze dançarinas, feitas de plumas, vão recuar, levam as frontes, claras e perfeitas, circundadas de espinhos, a sangrar...
Assim, depois que a estranha sarabanda na sombra se dilui, penso, vendo o outro bando que ciranda em torno do que fui,
que há uma alma em cada gesto e em cada passo das horas que se vão: pois fica a sombra de seu véu no espaço, fica o silêncio de seus pés no chão!...
© Guilherme de Almeida In A dança das horas, 1919
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