
No centenário de Mondrian
Publicado em 18/11/2012 02:07:56 | Tópico: João Cabral de Melo Neto
| No centenário de Mondrian (1972)
2 OU 1
Quando a alma se dispersa em todas as mil coisas do enredado e prolixo do mundo à sua volta,
ou quando se dissolve nas modorras da música, no invertebrado vago, sem ossos, de água em fuga,
ou quando se empantana num alcalino demais que adorne o ácido vivo que rói porém que faz,
ou quando a alma borracha tem os músculos lassos e é incapaz de molas para atirar-se ao faço:
então, só essa pintura de que foste capaz, de que excluíste até o nada, por demais,
e onde só conservaste o léxico conciso de teus perfis quadrados a fio, e também fios,
pois que, por bem cortados, ficam cortantes ainda e herdam a agudeza dos fios que os confinam,
então, só essa pintura de cores em voz alta, cores em linha reta, despidas, cores brasa,
só tua pintura clara, de clara construção, desse construir claro feito a partir do não,
pintura em que ensinaste a moral pela vista (deixando o pulso manso dar mais tensão à vida),
só essa pintura pode, com sua explosão fria, incitar a alma murcha, de indiferença ou acídia,
e lançar ao fazer a alma de mãos caídas, e ao fazer-se, fazendo coisas que a desafiam.
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