
O Novo Homem
Publicado em 04/11/2012 13:38:36 | Tópico: Carlos Drummond de Andrade
| O homem será feito em laboratório. Será tão perfeito como no antigório. Rirá como gente, beberá cerveja deliciadamente. Caçará narceja e bicho do mato. Jogará no bicho, tirará retrato com o maior capricho. Usará bermuda e gola roulée. Queimará arruda indo ao canjerê, e do não-objecto fará escultura. Será neoconcreto se houver censura. Ganhará dinheiro e muitos diplomas, fino cavalheiro em noventa idiomas. Chegará a Marte em seu cavalinho de ir a toda parte mesmo sem caminho. O homem será feito em laboratório muito mais perfeito do que no antigório. Dispensa-se amor, ternura ou desejo. Seja como for (até num bocejo) salta da retorta um senhor garoto. Vai abrindo a porta com riso maroto: «Nove meses, eu? Nem nove minutos.» Quem já concebeu melhores produtos? A dor não preside sua gestação. Seu nascer elide o sonho e a aflição. Nascerá bonito? Corpo bem talhado? Claro: não é mito, é planificado. Nele, tudo exacto, medido, bem posto: o justo formato, o standard do rosto. Duzentos modelos, todos atraentes. (Escolher, ao vê-los, nossos descendentes.) Quer um sábio? Peça. Ministro? Encomende. Uma ficha impressa a todos atende. Perdão: acabou-se a época dos pais. Quem comia doce já não come mais. Não chame de filho este ser diverso que pisa o ladrilho de outro universo. Sua independência é total: sem marca de família, vence a lei do patriarca. Liberto da herança de sangue ou de afecto, desconhece a aliança de avô com seu neto. Pai: macromolécula; mãe: tubo de ensaio, e, per omnia secula, livre, papagaio, sem memória e sexo, feliz, por que não? pois rompeu o nexo da velha Criação, eis que o homem feito em laboratório sem qualquer defeito como no antigório, acabou com o Homem. Bem feito.
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