
Não se diz ao Triste que se Alegre
Publicado em 18/08/2012 14:37:19 | Tópico: Luís de Camões
| Pouco sabe da tristeza quem, sem remédio para ela, diz ao triste que se alegre; pois não vê que alheios contentamentos a um coração descontente, não lhe remediando o que sente, lhe dobram o que padece. Vós, se vem à mão, esperáreis de mim palavrinhas joeiradas, enforcadas de bons propósitos. Pois desenganai-vos, que, desde que professei tristeza, nunca mais soube jogar a outro fito. E, porque não digais que sou gente fora do meu bairro, vedes, vai uma volta feita a este mote, que escolhi na manada dos enjeitados; e cuido que não é tão dedo queimado que não seja dos que el-rei mandou chamar; o qual fala assim:
Não quero e não quero jubão amarelo.
Se de negro for também me parece quanto me aborrece toda a alegre cor: cor que mostra dor, quero e não quero jubão amarelo.
Parece-vos que se pode dizer mais ? Não me respondais: «Quem gabará a noiva?» Porque assentai que foi comendo e fazendo, ou assoprando, que não é tão pequena habilidade. E, porque vos não pareça que foi mais acertar que querê-lo fazer, vedes, vai outra do mesmo jaez, contanto que se não vá a pasmar:
Perdigão perdeu a pena, não há mal que lhe não venha.
Em um mal outro começa, que nunca vem só nenhum; e o triste que tem um a sofrer outro se ofereça; e só pelo ver, conheça que basta um só que tenha para que outro lhe venha.
Luís Vaz de Camões, in "Cartas"
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