
Saudade
Publicado em 04/01/2012 22:50:28 | Tópico: Machado de Assis
| Saudade
Guarda estes versos que escrevi chorando Como um alívio à minha saudade, Como um dever de meu amor; e quando Houver em ti um eco de saudade, Beija estes versos que escrevi chorando. Único em meio das paixões vulgares, Fui a teus pés queimar minh’alma ansiosa, Como se queima o óleo ante os altares; Tive a paixão indômita e fogosa, Única em meio das paixões vulgares. Cheio de amor, vazio de esperança, Dei para ti os meus primeiros passos; Minha ilusão fez-me, talvez, criança; E pretendi dormir aos teus abraços, Cheio de amor, vazio de esperança. Refugiado à sombra do mistério, Pude cantar meu hino doloroso; E o mundo ouviu o som doce ou funéreo Sem conhecer o coração ansioso, Refugiado à sombra do mistério, Mas eu que posso contra a sorte esquiva? Vejo que em teus olhares de princesa Transluz uma alma ardente e compassiva, Capaz de reanimar minha incerteza; Mas eu que posso contra a sorte esquiva? Como um réu indefeso e abandonado, Fatalidade, curvo-me ao teu gesto; E se a perseguição me tem cansado, Embora, escutarei o teu aresto, Como um réu indefeso e abandonado. Embora fujas aos meus olhos tristes, Minh’alma irá saudosa, enamorada, Acercar-se de ti lá onde existes; Ouvirás minha lira apaixonada, Embora fujas aos meus olhos tristes. Talvez um dia meu amor se extinga, Como fogo de Vestal mal cuidado, Que sem o zelo da Vestal não vinga; Na ausência e no silêncio condenado, Talvez um dia meu amor se extinga. Então não busques reavivar a chama, Evoca apenas a lembrança casta Do fundo amor daquele que não ama; Esta consolação apenas basta; Então não busque reavivar a chama. Guarda estes versos que escrevi chorando, Como um alívio à minha saudade, Como um dever do meu amor; e quando Houver em ti um eco de saudade, Beija estes versos que escrevi chorando.
Machado de Assis - do livro Crisálidas
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