
Poema do alegre desespero
Publicado em 01/06/2007 20:40:00 | Tópico: António Gedeão
| Compreende-se que lá para o ano três mil e tal ninguém se lembre de certo Fernão barbudo que plantava couves em Oliveira do Hospital,
ou da minha virtuosa tia-avó Maria das Dores que tirou um retrato toda vestida de veludo sentada num canapé junto de um vaso com flores.
Compreende-se.
E até mesmo que já ninguém se lembre que houve três impérios no Egipto (o Alto Império, o Médio Império e o Baixo Império) com muitos faraós, todos a caminharem de lado e a fazerem tudo de perfil, e o Estrabão, o Artaxerpes, e o Xenofonte, e o Heraclito, e o desfiladeiro das Termópilas, e a mulher do Péricles, e a retirada dos dez mil, e os reis de barbas encaracoladas que eram senhores de muitas terras, que conquistavam o Lácio e perdiam o Épiro, e conquistavam o Épiro e perdiam o Lácio,
e passavam a vida inteira a fazer guerras, e quando batiam com o pé no chão faziam tremer todo o palácio, e o resto tudo por aí fora, e a Guerra dos Cem Anos, e a Invencível Armada, e as campanhas de Napoleão, e a bomba de hidrogénio, e os poemas de António Gedeão.
Compreende-se.
Mais império menos império, mais faraó menos faraó, será tudo um vastíssimo cemitério, cacos, cinzas e pó.
Compreende-se. Lá para o ano três mil e tal.
E o nosso sofrimento para que serviu afinal?
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