
Canto I
Publicado em 11/08/2011 22:09:14 | Tópico: Jorge de Lima
| Fundação da Ilha
I
Um barão assinalado sem brasão, sem gume e fama cumpre apenas o seu fado: amar, louvar sua dama, dia e noite navegar, que é de aquém e de além-mar a ilha que busca e amor que ama.
Nobre apenas de memórias, vai lembrando de seus dias, dias que são as histórias, histórias que são porfias de passados e futuros, naufrágios e outros apuros, descobertas e alegrias.
Alegrias descobertas ou mesmo achadas, lá vão a todas as naus alertas de vaia mastreação, mastros que apóiam caminhos a países de outros vinhos. Está é a ébria embarcação.
Barão ébrio, mas barão, de manchas condecorado; entre o mar, o céu e o chão fala sem ser escutado a peixes, homens e aves, bocas e bicos, com chaves, e ele sem chaves na mão.
II
A ilha ninguém achou porque todos o sabíamos. Mesmo nos olhos havia uma clara geografia.
Mesmo nesse fim de mar qualquer ilha se encontrava, mesmo sem mar e sem fim, mesmo sem terra e sem mim.
Mesmo sem naus e sem rumos, mesmo sem vagas e areias, há sempre um copo de mar para um homem navegar.
Nem achada e nem não vista nem descrita nem viagem, há aventuras de partidas porém nunca acontecidas.
Chegados nunca chegamos eu e a ilha movediça. Móvel terra, céu incerto, mundo jamais descoberto.
Indícios de canibais, sinais de céu e sargaços, aqui um mundo escondido geme num búzio perdido.
Rosa-de-ventos na testa, maré rasa, aljofre, pérolas, domingos de pascoelas. E esse veleiro sem velas!
Afinal: ilha de praias. Quereis outros achamentos além dessas ventanias tão tristes, tão alegrias?
III
E depois das infensas geografias e do vento indo e vindo nos rosais e das pedras dormidas e das ramas e das aves nos ninhos intencionais e dos sumos maduros e das chuvas e das coisas contidas nessas coisas refletidas nas faces dos espelhos sete vezes por sete renegados, reinventamos o mar com seus colombos, e columbas revoando sobre as ondas, e as ondas envolvendo o peixe, e o peixe (ó misterioso ser assinalado), com linguagem dos livros ignorada; reinventamos o mar para essa ilha que possui “cabos-não” a ser dobrados e terras e brasis com boa aguada para as naves que vão para o oriente.
E demos esse mar às travessias, e aos mapas-múndi sempre inacabados; e criamos o convés e o marinheiro e em torno ao marinheiro a lenda esquiva que ele quer povoar com seus selvagens.
Empreendemos com a ajuda dos acasos as travessias nunca projetadas, sem roteiros, sem mapas e astrolábios e sem carta a El-Rei contando a viagem. Bastam velas e dados de jogar e o salitre nas vigas e o agiológio, e a fé ardendo em claro, nas bandeiras. O mais: A meia quilha entre os naufrágios que tão bastantes varram os pavores. O mais: Esse farol com o feixe largo que tão unido varre a embarcação. Eis o mar: era morto e renasceu. Eis o mar: era pródigo e o encontrei. Sua voz? Ó que voz convalescida! Que lamúrias tão fortes nessas gáveas! Que coqueiros gemendo em suas palmas! Que chegar de luares e de redes!
Contemos uma história. Mas que história? A história mal-dormida de uma viagem.
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