
Aos vícios
Publicado em 03/07/2011 20:47:33 | Tópico: Gregório de Matos
| Aos vícios
Eu sou aquele que os passados anos Cantei na minha lira maldizente Torpezas do Brasil, vícios e enganos.
E bem que os descantei bastantemente, Canto segunda vez na mesma lira O mesmo assunto em pletro diferente.
Já sinto que me inflama e que me inspira Talía, que anjo é da minha guarda Des que Apolo mandou que me assistira.
Arda Baiona, e todo o mundo arda, Que a quem de profissão falta à verdade Nunca a dominga das verdades tarda.
Nenhum tempo excetua a cristandade Ao pobre pegureiro do Parnaso Para falar em sua liberdade
A narração há de igualar ao caso, E se talvez ao caso não iguala, Não tenho por poeta o que é Pégaso.
De que pode servir calar quem cala? Nunca se há de falar o que se sente?! Sempre se há de sentir o que se fala.
Qual homem pode haver tão paciente, Que, vendo o triste estado da Bahia, Não chore, não suspire e não lamente?
Isto faz a discreta fantasia: Discorre em um e outro desconcerto, Condena o roubo, increpa a hipocrisia.
O néscio, o ignorante, o inexperto, Que não eleje o bom, nem mau reprova, Por tudo passa deslumbrado e incerto.
E quando vê talvez na doce treva Louvado o bem, e o mal vituperado, A tudo faz focinho, e nada aprova.
Diz logo prudentaço e repousado: - Fulano é um satírico, é um louco, De língua má, de coração danado.
Néscio, se disso entendes nada ou pouco, Como mofas com riso e algazarras Musas, que estimo ter, quando as invoco?
Se souberas falar, também falaras, Também satirizaras, se souberas, E se foras poeta, poetizaras.
A ignorância dos homens destas eras Sisudos faz ser uns, outros prudentes, Que a mudez canoniza bestas feras.
Há bons, por não poder ser insolentes, Outros há comedidos de medrosos, Não mordem outros não - por não ter dentes.
Quantos há que os telhados têm vidrosos, e deixam de atirar sua pedrada, De sua mesma telha receosos?
Uma só natureza nos foi dada; Não criou Deus os naturais diversos; Um só Adão criou, e esse de nada.
Todos somos ruins, todos perversos, Só os distingue o vício e a virtude, De que uns são comensais, outros adversos.
Quem maior a tiver, do que eu ter pude, Esse só me censure, esse me note, Calem-se os mais, chitom, e haja saúde.
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