
Vida e Obra
Publicado em 19/05/2011 17:04:38 | Tópico: Nuno Rocha Morais
| Nuno Rocha Morais (Porto, 1973 – Luxemburgo, 2008) licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas (Estudos Portugueses e Ingleses) na Faculdade de Letras da Universidade do Porto em 1995.
Aos 19 anos iniciou a vida ativa na área do jornalismo no Comércio do Porto. Em 1999 passou a integrar a equipa de tradutores da Comissão Europeia, no Luxemburgo, desempenhando desde 2007 as funções de coordenador linguístico do departamento de língua portuguesa. «Últimos Poemas – título que, ironicamente, desde os 20 anos, ainda estudante, elegeu como o título da primeira obra a editar – foi o livro que quis deixar organizado» e foi publicado «sem qualquer interferência na sua vontade e disposições» pela Quasi Edições, em 2009. «Composto por cerca de uma centena de textos produzidos ao longo dos muitos anos em que se apurou o compulsivo labor de escrita do autor – entretanto disseminado por publicações periódicas» como Cadernos de Serrubia, Cadernos do Tâmega, a revista Hey!, Notícias de Penafiel, Anto e o boletim «a folha», entre muitas outras –, o livro, com prefácio de Joana Matos Frias e ilustrações de Rasa Sakalaitė, «oferece-se como uma espécie de palimpsesto sob o qual parecem esconder-se as entrelinhas de outras centenas de textos que efectivamente existem nos inúmeros manuscritos e dactiloscritos que se multiplicam nas "arcas" que deixou.» «Obra de formação e de síntese», dá a conhecer «um pequeno segmento de quase 20 anos de trabalho poético sem qualquer pré-ordenação ou identificação de natureza cronológica, o que converte o corte diacrónico numa sutura de efeito sincrónico.» (excertos do prefácio)
Últimos Poemas Autor: Nuno Rocha Morais Editora: Quasi N.º de páginas: 142 ISBN: 978-989-552-409-9 Ano de publicação: 2009
Em A Morte de Kavafis, Nuno Rocha Morais (NRM) imagina os últimos momentos do poeta de Alexandria:
«(…) Mas não estava ainda tudo dito, Faltava o I know not what tomorrow will bring. Kavafis desenhou então, No mundo implícito de uma folha de papel, Um círculo e no centro do círculo apôs, Meticuloso, um ponto final, A vida completando-se imperceptivelmente No interior da arte.»
Estes versos fazem parte do único livro de NRM, único porque póstumo (o poeta morreu em 2008, aos 34 anos). A consciência do ponto final kavafiano, transposto para a vida daquele que o evocou, acaba por assombrar uma obra fulgurante, cujo título irónico (há muito definido) perdeu toda a ironia, tornando-se literal. O que mais impressiona, em Últimos Poemas, é o facto de eles abrangerem uma tão ampla e consistente variedade de registos. Em certo sentido, esta parece ser a antologia pessoal de um poeta com muitos livros (mas livros que nunca chegaram a ser publicados), a súmula de uma bibliografia inexistente. NRM tem uma noção muito precisa da orgânica do poema, das suas tensões internas, das suas quebras, das suas zonas de sombra e cintilações. Há uma espécie de sabedoria clássica, mas aberta à convulsão e complexidade do mundo: tanto se evocam duas mulheres pintadas por Leonardo como a experiência da dor numa cadeira de dentista. À semelhança de Elizabeth Bishop, a quem faz uma espécie de invocação, o poeta «preda o seu verso / Num filão de minérios sensíveis». Minérios sensíveis que incluem «o gosto dos dias» quotidianos, a memória «desmantelada», a melancolia das «coisas / Que nunca mais voltarão a acontecer», os mitos gregos ou a grande arte do século XX (Renoir, Gaudí, Francis Bacon, Zbigniew Herbert, Francis Ponge, entre outros). É uma poesia subtil e culta, em que a influência deixou de ser angústia para se tornar o «mais íntimo e indispensável lugar de convívio», como escreve Joana Matos Frias no prefácio. Esta é também uma escrita com belíssimos achados verbais. Kleist, por exemplo, aparece-nos «cheio de lava e guelras»; a romã revela-se um «fruto ofegante» de «doçura impassível»; as corolas de certas flores «adquirem as cores do alarme»; os gatos podem ser «ferozes até na ternura»; e uma rapariga romena «era como um fósforo – / Breve e triste na muita escuridão». Ainda mais meteórica do que a de Daniel Faria, a magnífica (embora escassa) obra de NRM passa a ocupar um lugar importante, e singularíssimo, na poesia portuguesa contemporânea.
[Texto publicado no número 84 da revista Ler]
*Fonte: sites da rede.
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