
Retrato de escritor
Publicado em 05/05/2011 13:20:00 | Tópico: João Cabral de Melo Neto
| Insolúvel: na água quente e na fria; nas de furar a pedra ou nas langues; nas águas lavadeiras; até nos alcoóis que dissolvem o desdém mais diamante. Insolúvel: por muito o dissolvente; igual, nas gotas dum pranto ao lado, e nas águas do banho que o submerge, em beatitude, e de que emerge ingasto.
Solúvel: em toda tinta de escrever, o mais simples de seus dissolventes; primeiramente, na da caneta-tinteiro com que ele se escreve dele, sempre (manuscrito, até em carta se abranda, em pedra-sabão, seu diamante primo); solúvel, mais tarde ele se passa a limpo o que ele se escreveu da dor indonésia lida no Rio, num telegrama do Egito (datiloscrito, já se acaramela muito seu diamante em pessoa, pré-escrito).
Solúvel, todo: na tinta, embora sólida, da rotativa, manando seu auto-escrito (impresso, e tanto em livro-cisterna ou jornal-rio, seu diamante é líquido).
João Cabral de Melo Neto, in; ‘A educação pela pedra’
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