
Visio
Publicado em 10/03/2011 18:10:00 | Tópico: Machado de Assis
| Visio
Eras pálida. E os cabelos, Aéreos, soltos novelos, Sobre as espáduas caíam . . . Os olhos meio-cerrados De volúpia e de ternura Entre lágrimas luziam . . . E os braços entrelaçados, Como cingindo a ventura, Ao teu seio me cingiram . . .
Depois, naquele delírio, Suave, doce martírio De pouquíssimos instantes Os teus lábios sequiosos, Frios trêmulos, trocavam Os beijos mais delirantes, E no supremo dos gozos Ante os anjos se casavam Nossas almas palpitantes . . . Depois . . . depois a verdade, A fria realidade, A solidão, a tristeza; Daquele sonho desperto, Olhei . . . silêncio de morte Respirava a natureza — Era a terra, era o deserto, Fora-se o doce transporte, Restava a fria certeza.
Desfizera-se a mentira: Tudo aos meus olhos fugira; Tu e o teu olhar ardente, Lábios trêmulos e frios, O abraço longo e apertado, O beijo doce e veemente; Restavam meus desvarios, E o incessante cuidado, E a fantasia doente.
E agora te vejo. E fria Tão outra estás da que eu via Naquele sonho encantado! És outra, calma, discreta, Com o olhar indiferente, Tão outro do olhar sonhado, Que a minha alma de poeta Não vê se a imagem presente Foi a imagem do passado.
Foi, sim, mas visão apenas; Daquelas visões amenas Que à mente dos infelizes Descem vivas e animadas, Cheias de luz e esperança E de celestes matizes: Mas, apenas dissipadas, Fica uma leve lembrança, Não ficam outras raízes.
Inda assim, embora sonho, Mas sonho doce e risonho, Desse-me Deus que fingida Tivesse aquela ventura Noite por noite, hora a hora, No que me resta de vida, Que, já livre da amargura, Alma, que em dores me chora, Chorara de agradecida!
|
|