
D. João
Publicado em 19/11/2010 13:12:02 | Tópico: Guerra Junqueiro
| O infame D. João é o torpe aventureiro Que dirige do amor as sórdidas roletas, fazendo tilintar a bolsa do dinheiro Quando passam na rua, à noite as Julietas.
É o rico burguês pançudo, escalavrado, E que, apesar de ter os dentes já corrutos, Sibarita cruel, fareja no mercado Da branca virgindade os mais soberbos frutos.
É o bardo scismador, linfático, plangente, Doce como o luar, negro como um abismo, O poeta que traz no coração doente A velha flor azul do sentimentalismo.
São os grandes leões devassos, petulantes, Manfredos imbecis, eróticos Mussets, Que expõem de madrugada as cartas das amantes Aos risos triviais nas mesas dos cafés.
É o sátiro Tartufo, o D. João viscoso O lobo sensual que habita a sacristia, E cujo o olhar faminto e o cujo olhar guloso É feito de luxúria, e treva, e covardia.
Tem todas as feições, ainda as mais vulgares; Usa indistintamente os fraques e as batinas; Anda por todo mundo, em todos os lugares, Desde o melhor palácio ás últimas sentinas.
Penetra brandamente as vossas consciências, Aguilhoa, domina os vossos corações! É o verme do amor, subtil como as essências E forte como a garra adunca dos leões.
É o monstro que faz perder a cor às rosas Que sonham ao luar nevrálgico amores; E é ele que produz as chagas escrofulosas No mimoso setim das delicadas flores.
Como a ferrugem morde as espelhadas lanças, Assim êle conspurca os nobres caracteres; E à tarde, ao pôr do sol, muitíssimas crianças desfolham só por ele os brancos malmequeres…
E o destino cruel dessas visões inermes Resume-se afinal, pobres visões celestes! Em irem engordar os libertinos vermes, E fazerem crescer a rama dos ciprestes.
A morte de D. João (1874)
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