Apresentado mais um Consagrado:
Sérgio Porto, por ele mesmo, "Auto-retrato do artista quando não tão jovem"
"ATIVIDADE PROFISSIONAL: Jornalista, radialista, televisista (o termo ainda não existe, mas a atividade dizem que sim), teatrólogo ora em recesso, humorista, publicista e bancário.
OUTRAS ATIVIDADES: Marido, pescador, colecionador de discos (só samba do bom e jazz tocado por negro, além de clássicos), ex-atleta, hoje cardíaco. Mania de limpar coisas tais como livros, discos, objetos de metal e cachimbos.
PRINCIPAIS MOTIVAÇÕES: Mulher.
QUALIDADES PARADOXAIS: Boêmio que adora ficar em casa, irreverente que revê o que escreve, humorista a sério.
PONTOS VULNERÁVEIS: Completa incapacidade para se deixar arrebatar por política. Jamais teve opinião formada sobre qualquer figurão da vida pública, quer nacional, quer estrangeira.
ÓDIOS INCONFESSOS: Puxa-saco, militar metido a machão, burro metido a sabido e, principalmente, racista.
PANACÉIAS CASEIRAS: Quando dói do umbigo para baixo: Elixir Paregórico. Do umbigo para cima: aspirina.
SUPERTIÇÕES INVENCÍVEIS: Nenhuma, a não ser em véspera de decisão de Copa do Mundo. Nessas ocasiões comparativamente qualquer pai-de-santo é um simples cético.
TENTAÇÕES IRRESISTÍVEIS: Passear na chuva, rir em horas impróprias, dizer ao ouvido de mulher besta que ela não tão boa quanto pensa.
MEDOS ABSURDOS: Qualquer inseto taludinho (de barata pra cima).
ORGULHO SECRETO: Faz ovo estrelado como Pelé faz gol. Aliás, é um bom cozinheiro no setor mais difícil da culinária: o trivial.
Assinado, Sérgio Porto, agosto de 1963."
Filho de Américo Pereira da Silva Porto e de D. Dulce Julieta Rangel Porto, Sérgio Marcos Rangel Porto, um cidadão acima de qualquer desfeita, nasceu no Rio de Janeiro em pleno verão, no dia 11 de janeiro de 1923, e ficou famoso anos depois sob o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta, emprestado à Oswald de Andrade (vide Memórias de Serafim Ponte Grande). Foi casado com Dirce Pimentel de Araújo, com quem teve três filhas: Gisela, Ângela e Solange.
Dizem seus estudiosos que no citado livro teria encontrado seu grande filão:a irreverência. Começou uma obra carioquíssima, até hoje insuperável, transpondo para jornais, livros e revistas o saboroso coloquial do Rio de Janeiro. Afirmam, também, que as melhores crônicas são aquelas onde a disposição de desfazer o sentido de uma palavra ou de uma situação não se manifesta apenas no final do enredo, mas parece atingir a estrutura da narrativa; quer dizer, a partir de pistas falsas, a história é conduzida visando a um final que não acontece, substituído por outro, totalmente inesperado (vejam Menino Precoce e A Charneca, por exemplo).
Era um mestre das comparações enfáticas:
"Mais inchada do que cabeça de botafoguense"
"Mais assanhado do que bode velho no cercado das cabritas"
"Mais suado do que o marcador de Pelé"
"Mais duro do que nádega de estátua"
"Mais feia do que mudança de pobre"
"Mais murcho do que boca de velha"
Traçou, em 12 palavras, o retrato de uma época , os tais anos dourados nada permissivos, quando o preconceito prevalecia, principalmente em matéria de sexo:
"Se peito de moça fosse buzina, ninguém dormia nos arredores daquela praça". Antes da liberação sexual, as praças e outros cantinhos escuros eram, então, um buzinaço.
Criador de Tia Zulmira, Rosamundo e Primo Altamirando, foi com seu Festival de Besteira que Assola o País - FEBEAPÁ, lançado em plena vigência da Redentora, apelido do golpe militar de 1964, que ele alcançou seu grande sucesso. Stanislaw afirmava ser difícil precisar o dia em que as besteiras começaram a assolar o Brasil, mas disse ter notado um alastramento desse festival depois que uma inspetora de ensino no interior de São Paulo, portanto uma senhora de nível intelectual mais elevado pouquinha coisa, ao saber que o filho tirara zero numa prova de matemática, embora sabendo tratar-se de um debilóide, não vacilou em apontar às autoridades o professor da criança como perigoso agente comunista.
Outras besteiras colhidas pelo autor:
"No mesmo dia em que o governo resolvia intervir em todos os sindicatos, resolvia mandar uma delegação à 16a. Sessão do Conselho de Administração da OIT, em Genebra. Ao Brasil caberia exatamente fazer parte da Comissão de Liberdade Sindical.Na mesma ocasião, um time da Alemanha Oriental vinha disputar alguns jogos aqui e então o Itamarati distribuiu uma nota avisando que eles só jogariam se a partida não tivesse cunho político. Em Mariana, MG, um delegado de polícia proibia casais de se sentarem juntos na única praça namorável da cidade, baixando portaria dizendo que moça só podia ir ao cinema com atestado dos pais. Em Belo Horizonte, um outro delegado distribuía espiões pelas arquibancadas dos estádios. Dali em diante quem dissesse mais de três palavrões ia preso."
Na mesma época (1954) em que o jornalista Jacinto de Thormes publicou na revista Manchete a lista das "Mulheres Mais Bem Vestidas do Ano", Stanislaw, que escrevia na mesma revista sobre teatro-rebolado, não quis ficar por baixo e inventou a lista das "Mulheres Mais Bem Despidas do Ano". Com a grita das mães das vedetes, passou a usar uma expressão ouvida de seu pai -- "Olha só que moça mais certa" -- e estavam, assim, criadas as "certinhas" do Lalau. De 1954 a 1968 foram 142 as selecionadas. Dentre outras, podemos citar Aizita Nascimento, Betty Faria, Brigitte Blair, Carmen Verônica, Eloina, Íris Bruzzi, Mara Rúbia, Miriam Pérsia, Norma Bengell, Rose Rondelli, Sônia Mamede e Virgínia Lane.
Ao contrário do que parecia ser -- um cara folgado, brincalhão, gozador e pouco chegado ao labor, Sérgio Porto, por suas inúmeras atribuições, era um lutador. Nos últimos anos de vida tinha uma jornada nunca inferior a 15 horas de trabalho por dia."Só estou levantando o olho da máquina de escrever pra botar colírio. Hoje fui gravar na televisão e antes foi aquela batalha contra as teclas. Estou trabalhando demais, outra vez. Só para esta semana: seis Stanislaws, um Fatos & Fotos, um final apoteótico para o novo programa do Chico Anísio, roteiro e script para aquela bosta chamada Espetáculos Tonelux, depois quadros humorísticos para a TV Rio, Miss Campeonato, Da Boca pra Fora, o programa de rádio Atrações A-9, além da revisão do livro O Homem ao Lado que será reeditado no próximo mês e da gravação do programa Qual é o assunto?" Para alguém que teve seu primeiro infarto ao 36 anos, era demais.
"Tunica, eu tô apagando". Essas foram as últimas palavras ditas pelo autor ao sofrer seu derradeiro infarto, no dia 29 de setembro de 1968.
Paulo Mendes Campos, o excelente e tão esquecido cronista mineiro, traça um perfil do autor em um texto cheio de humor e de dor pelo falecimento de Stanislaw Ponte Preta (in "O Anjo Bêbado", Editora do Autor – Rio de Janeiro, 1969, pág. 7).
SÉRGIO E STANISLAW PONTE PRETA
O diabo o é que todo mundo pensa que sou um cínico; ninguém acredita que sou um sentimentalão que não agüenta uma gata pelo rabo.
Sérgio me dizia isso a milhares de metros de altitude, copo de uísque na mão, rumo a Buenos Aires. Ao saber que eu tinha resolvido assistir ao jogo Brasil e Uruguai, no Campeonato Pan-Americano de 1959, veio procurar-me com uma ansiedade incomum: precisava afastar-se do Rio de qualquer jeito, me disse, tinha decisivos assuntos íntimos sobre os quais queria pensar.
Sendo assim, por que ir a Buenos Aires? Não fiz a pergunta por entendê-lo: Sérgio possuía o talento de viver em diversas faixas ao mesmo tempo; Buenos Aires lhe calhava numa instância de decisões pessoais porque o recolhimento do hotel se somava aos benefícios do torneio de futebol, da companhia dos amigos, das anedotas jornalísticas e até mesmo dos restaurantes portenhos.
Já dentro do avião, nessa ou em qualquer outra viagem, desligado de suas duras obrigações, transformava-se: mesmo roído por dentro, a gratuidade do instante era boa demais para não ser aproveitada. Sempre que uma aeromoça lhe perguntava se queria um sanduíche ou um refrigerante, respondia alegremente com uma frase que ouviu de Bili Blanco: "Quero tudo a que eu tenha direito." E era verdade.
Na chegada a Buenos Aires, houve uma dessas súbitas situações cômicas criadas por aquele homem carregado de conflitos: avião estacionado, entrou nele um médico da saúde pública, um homem ruivo e bastante calvo. Pedindo aos passageiros que exibissem o atestado de vacina, o médico estendeu a mão para Sérgio, ao mesmo tempo que dizia em tom cavo e impessoal: "Vacunación, señor." Como se estivesse recebendo um cumprimento de boas-vindas, Stanislaw (aí era ele), muito grave, apertou a mão do médico, falando claro e efusivo: "Vacunación para usted también?" O médico, rubro de indignação, expulsou-nos do avião, sem mais exigir o documento sanitário e, enquanto eu explodia de rir, ele sussurrava-me entre os dentes: "Agüenta a mão, se não a gente acaba em cana."
O dom mais surpreendente de Sérgio era esse trânsito livre entre as manifestações da vida. Ainda no dia de nossa chegada a Buenos Aires, eu o veria em atitudes múltiplas: durante o jogo dramático entre o Brasil e o Uruguai (o três a um da briga), ele deu um empurrão nos peitos dum argentino que insultava os brasileiros, chorou quando Paulo Valentim fez o terceiro gol, riu-se às gargalhadas quando o Garrincha passou indiferente entre uruguaios e entrou no ônibus com um sanduíche enorme na boca e outro na mão; e ainda conversou longamente comigo sobre suas aflições, depois de cear com entusiasmo.
Quando acordei, ele já andava pelo saguão, depois de ler os jornais todos, à cata de histórias do Mendonça Falcão - a máquina já destampada no quarto.
Fiquei seu amigo há mais de vinte anos, quando ele escrevia crônicas de música popular para a revista Sombra. Bonito, forte, elegante, inteligente, alegre, simpático - era um privilegiado sem ostentação. Só lhe faltava o dinheiro, como de resto ao grupo todo: mesmo mal pagos, tínhamos de aceitar as ofertas que a imprensa nos fazia como um favor, bicando aqui e ali, sofrendo na carne os atrasos do caixa, brigando pelo dinheirinho de cada dia. Mas o clima não era de miséria nem de tristeza: bebíamos crepuscularmente nosso uísque escocês no Pardellas da Rua México, dançávamos no Vogue, andávamos de táxi. Já que o dinheiro era pouco, o jeito era gastá-lo no essencial: o apartamento próprio que esperasse.
Eustáquio Duarte, Lúcio Rangel, Luís Jardim, Cássio Fonseca, Jarbas Duarte eram diariamente pontuais no Pardellas; Zé Lins do Rego, Rosário Fusco, Santa Rosa, Jaime Adour da Câmara, Flávio de Aquino, Simeão Leal, Luis Santa Cruz e outros apareciam com freqüência. O jazz negro era o nosso alimento: Sérgio e seu tio Lúcio Rangel ensinaram ao resto da turma o que era puro nesse setor e o que se contaminara.
Por um momento, numa fase financeira mais dura, quase o acompanhei num gesto até certo ponto desesperado: o de escrever programas de rádio. Para ele foi o início duma vida de sucesso profissional e cruel desgaste físico. Na imprensa, no rádio e na televisão do Brasil a ascensão se confunde com a queda. Sucesso nesse terreno não é poder trabalhar menos e ganhar o suficiente: é trabalhar sempre mais. Vitorioso no Brasil é o jornalista que sempre encontra mercado de trabalho; e não preços mais altos. Só chega ao chamado certo nível de vida somando diversas atividades corrosivas.
O humorista começou a surgir no semanário Comício, excelente escola de descontração do estilo jornalístico, dirigido por Rubem Braga, e Joel Silveira, onde escreviam ainda Clarice Lispector, Millôr Fernandes, Fernando Sabino, Otto Lara Resende, Rafael Correia de Oliveira, Carlos Castelo Branco, Edmar Morel, onde também apareceram as primeiras crônicas de Antônio Maria e as primeiras reportagens de Pedro Gomes.
Digo o humorista profissional, porque o da convivência com os amigos vinha do tempo das peladas em Copacabana: Sandro Moreira, João Saldanha, Mauricinho Porto, George Rangel, Máriozinho de Oliveira, Carlos Peixoto e Carlinhos Niemeyer são alguns que se lembram das histórias engraçadas de Sérgio, o Bolão.
Sua vivacidade era tão instantânea que sempre a aceitei com naturalidade. Espantava-me, isto sim, seu discernimento, agudo, preciso, a respeito de tudo: uma canção, um cantor, um vestido, um quadro, uma atmosfera, uma situação complicada. Dizia em cima a palavra exata, a observação certa, o julgamento justo.
O contraditório é que pudesse fazer humorismo uma pessoa que possuía tanto senso das proporções e da verdade escondida. Seu humorismo, bem reparado, não era o usual, pelo contrário, ele fazia humor sem caricaturar o assunto. Bernard Shaw, quando queria fazer graça, dizia a verdade. Ele também fez graça falando verdades, descobrindo verdades, tendo a coragem de ser odiado por dizê-las.
Como todo homem de sensibilidade, precisava de amigos e afeto; mas desprezava os mesquinhos, os medíocres, os debilóides, os cretinos.
Seu gosto era certo. Amava os livros e os discos, milhares de discos, discos que ouvia às vezes enquanto trabalhava, atendendo ao telefone a todo instante, recebendo amigos, contando piadas, e continuando a batucar na máquina, insistindo para que o visitante ficasse, sob a afirmação (verdadeira) de que estava acostumado a escrever no meio da maior confusão.
Eu, que apesar de tarimbado, já começo a ficar afobado no fim deste mal enramado artigo, com a redação querendo saber se já pode mandar buscá-lo, lembro a tranqüilidade de Sérgio no meio do caos, e não entendo o segredo que o dotou ao mesmo tempo de extraordinária capacidade de trabalho e da calma que deve ser a dos monges tibetanos.
De que morreu Sérgio Porto? Do coração e do trabalho.
No fim do ano passado, nas vésperas de Natal, estivemos juntos em Brasília: ele se lamentou o tempo todo no dia da volta, dizendo que ficaria ali, na ociosidade do hotel, por um tempo indeterminado. Foi difícil arrancá-lo da cama ao anoitecer. Este ano viajamos novamente juntos para São Paulo e Belo Horizonte. Foi a mesma coisa. Queria descansar, transfigurando-se no repouso, encarando com horror as atividades que o esperavam no Rio.
Na nossa última noite em Belo Horizonte, ele, Fernando, Rubem, Gérson Sabino e eu jantamos num restaurante muito bonito, que tinha de tudo, menos comida mineira. Sérgio reclamou tristemente durante todo o jantar. Queria arroz, feijão, couve, lingüiça.
Não sei por que essa lembrança me comove e serve para fechar esta página que eu não queria triste. Que a tristeza fique conosco, os amigos que o amavam.
Bibliografia:
Como Stanislaw Ponte Preta:
- Tia Zulmira e Eu - Editora do Autor, 1961
- Primo Altamirando e Elas - Editora do Autor, 1962
- Rosamundo e os Outros - Editora do Autor, 1963
- Garoto Linha Dura - Editora do Autor, 1964
- FEBEAPÁ1 (Primeiro Festival de Besteira Que Assola o País), Editora do Autor, 1966
- FEBEAPÁ2 (Segundo Festival de Besteira Que Assola o Pais), Editora Sabiá, 1967
- Na Terra do Crioulo Doido - FEBEAPÁ3 - A Máquina de Fazer Doido - Editora Sabiá, 1968
Com o nome de Sérgio Porto:
- A Casa Demolida - Editora do Autor/1963 (Reedição ampliada e revista de O Homem ao Lado - Livraria. José Olympio Editores)
- As Cariocas - Editora Civilização Brasileira, 1967
Sobre o autor:
- Dupla Exposição: Stanislaw Sérgio Ponte Porto Preta, Renato Sérgio, Ediouro, Rio de Janeiro, 1998.
*"Tunica, eu tô apagando". Essas foram as últimas palavras de Sérgio Marcos Rangel Porto, aliás, Stanislaw Ponte Preta, ao morrer, vítima de um infarto, em setembro de 1968 (por sinal, se para muitos 1968 é o ano que não terminou, em relação a Stanislaw, o mais conspícuo e intimorato membro do clã dos Ponte Preta, certamente é o ano que jamais deveria ter existido — nós nunca conseguimos nos recuperar dessa perda). É que, com efeito, ele deixou uma lacuna que jamais foi sequer remotamente ameaçada de preenchimento, a ponto de ficar até difícil, num país tradicionalmente sem memória, explicar pra geração mais jovem o que e como era Stanislaw Ponte Preta, agora que se passaram trinta anos de seu prematuro e estúpido desaparecimento. Se vivo estivesse, Sérgio Porto estaria com 75 anos, idade ainda mais que suficiente para expor o ridículo do cotidiano e bafejar-nos do humor de que tanto carecemos.
Como que já antecipando o que viria, ele mandou passar a régua e pedir o boné antes do que já intuía como inevitável (morreu pouco mais de dois meses antes da edição do AI-5, em dezembro de 1968, que mergulhou o país nas trevas do arbítrio e da truculência, e do qual ele seria inexoravelmente uma das primeiras vítimas). Esta é uma homenagem ao que ele foi e um lembrete para que as novas gerações saibam um pouco do que andaram perdendo.*
(Por sinal, um excelente livro sobre a flor dos Ponte Pretas acaba de ser lançado : Dupla Exposição : Sérgio Porto – Stanislaw Ponte Preta, de autoria de Renato Sérgio, Ediouro, do qual muitos dos excertos aqui presentes foram extraídos)
AS FRASES DE STANISLAW
Inúmeras frases, conceitos e bordões criados por Sérgio passaram à memória nacional, o que o tornava o mais autorizado intérprete de nosso cotidiano :
* Tem nêgo que adora virar fenômeno.
* Estava mais duro do que nádega de estátua.
* Parecia uma onça com sinusite.
* Mais incomodado do que um búfalo no verão da Dinamarca.
* Era um especialista em vias urinárias e não tinha preferências, qualquer que fosse a via, em sendo urinária, ele encarava.
* No Brasil as coisas acontecem, mas depois, com um simples desmentido, deixam de acontecer.
* Uma nota novinha em folha, dessas que saem logo depois de uma revolução em emissão especial para cobrir as despesas democráticas.
* Carro é como mulher: só é bom pra quem tem dois.
* Mais feio que mudança de pobre.
* Estava tão mal que mais parecia reserva do Bonsucesso.
* Conversa de bêbado não tem dono.
* Antes só do que muito acompanhado.
* Quando aquele cavalheiro nervoso entrou no hospital dizendo "eu sou coronel eu sou coronel", o médico tirou o estetoscópio do ouvido e quis saber: "Fora esse, qual o outro mal do qual o senhor se queixa?"
* Ser imbecil é mais fácil.
* Mais remendado que paletó de mendigo.
* Não sei porque tem gente que acha que eu tenho que defender tudo, igual goleiro de Seleção.
* Está dando mais do que cará no brejo.
* Na idade de Tia Zulmira não existe desejo sexual, existe é reminiscência sexual, que é coisa bem diferente e muito menos cansativa.
* Mais monótono do que itinerário de elevador.
* Macrobiótica é um regime alimentar para quem tem 77 anos e quer chegar aos 78.
* Consciência é como vesícula, a gente só se preocupa com ela quando dói.
* Lavar a honra com sangue suja a roupa toda.
* Difícil dizer o que incomoda mais, se a inteligência ostensiva ou a burrice extravasante.
* Mania de grandeza é a desses suplementos literários que têm um aviso dizendo que é proibido vender separadamente.
* Se mosquito fosse malandro mordia antes e zunia depois.
* Ou restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos!
* Esperanto é uma língua universal que não se fala em lugar nenhum.
* Quem dá aos pobres e empresta, adeus!
* Levou um susto e ficou mais branco do que bunda de escandinavo.
* Ficou numa melancolia de pingüim no Piauí.
* Mais por fora do que umbigo de vedete.
* Tirante mulher, a gente só deve recomendar o que experimentou e gostou.
* O terceiro sexo já está quase em segundo.
* Em rio de piranha jacaré nada de costas.
* Se a senhora está mesmo disposta a se despir de todos os seus preconceitos então porque não tira logo as calcinhas também?
* Dono de cartório de protesto é uma espécie de cafetão da desgraça alheia.
* Minissaia é um traje que quando a mulher senta aparece o que a saia tinha obrigação de fazer sumir.
* Por mais eficaz que sejam os métodos novos de fazer criança, a turma jamais abandonara o antigo.
* A polícia prendendo bicheiros? Assim não é possível. Respeitemos ao menos as instituições
* O rapaz era militar e Flamengo, portanto duplamente supersticioso.
* Quando o casal começou a dançar o chá-chá-chá Tia Zulmira disse que já conhecia aquilo, apesar de que, de pé, era a primeira vez que via.
* A dúvida dele não era a de que pudesse não ser um homem mas a de que talvez nem chegasse a ser um rato.
* Mais inútil do que um vice-presidente.
* Há sujeitos tão inábeis que sua ausência preenche uma lacuna.
* Pra não se sentir diminuído no meio dos amigos, confessou: "Não é pra me gabar não, mas eu também sou meio tarado!"
* Era uma empregada tão perfeita que a patroa concordou em cozinhar para ela.
* Os valores morais são os únicos que conservaram os preços de antigamente.
* Ele tinha um medo terrível de se apaixonar pela esposa.
* Mais vale um filé no prato do que um boi no açougue.
* Quando estamos fora, o Brasil dói na alma; quando estamos dentro, dói na pele.
* Quando acabou aquele velório teve-se a impressão de que o morto ficou mais aliviado.
* Amor, dinheiro e lua, parando de crescer começam logo a diminuir.
* Nem todo rico tem carro, nem todo ronco é pigarro, nem toda tosse é catarro, nem toda mulher eu agarro.
* Coitado, freqüentou tantas noites de autógrafos que acabou alcoólatra.
* Se você não acredita que o reino do céu é aqui, repare então como os pobres de espírito se divertem.
* O cachorro abana o rabo quando quer agradar, a mulher, quando quer agrado.
* Mulher e livro, emprestou, volta estragado.
* O sol nasce para todos, a sombra pra quem é mais esperto.
Alguns casos bem reveladores do "estilo Stanislaw"
Em vários episódios Sérgio Porto demonstrava seu excepcional humor e uma notável capacidade de viver :
*– Quando Sérgio ainda trabalhava no Banco do Brasil, era famosa e lamentada a truculência do responsável pela tesouraria, encarregado do pagamento, que tratava Sérgio e seus colegas muito mal. Foi um delírio geral, num dia de pagamento, quando Sérgio, após mais um festival de coices do tesoureiro, vingou a todos pregando em cima do guichê da tesouraria um cartaz com os dizeres : "É PROIBIDO ALIMENTAR OS ANIMAIS".
– O compositor paraense Billy Blanco, que se tornou famoso por sambas urbanos (Moço / olha o vexame / o ambiente exige respeito / pelos estatutos da nossa gafieira / dance a noite inteira / mas dance direíto. / Aliás, pelo artigo cento e vinte / cavalheiro que fizer o seguinte / subir na parede, dançar de pé pro ar / morar na bebida sem querer pagar / abusar da umbigada de maneira folgazã / prejudicando hoje o bom crioulo de amanhã / será distintamente censuradol e se balançar o corpo / tá na mão do delegado), entrava com Sérgio numa boate quando, no palco, alguém começou a cantar um samba de Chco Buarque. Sérgio parou de conversar para prestar atenção na música, bota a mão no ombro de Billy e decreta : "Meu amigo... você acaba de perder a faixa de ‘novo Noel Rosa’ !"
- Sobre a ubiqüidade de Vinícius de Morais, Sérgio um dia finalmente escreveu : "Confesso que descobri o segredo do coleguinha jornalístico, poeta, diplomata e telecotequista Vinícius de Moraes, numa tarde em que tomávamos umas e outras no bar Calypso, num desses crepúsculos vespertinos de Ipanema que já baixam pedindo chope. Estávamos lá entornando, quando chegou minha hora de subir para Petrópolis, onde a família passava os verões. 'Poetinha, vou me mandar', disse eu. Ele suspirou, ante a perspectiva de ficar sozinho, mas me desejou boa viagem. Cheguei à serra certo de que nenhum carro passara o meu na estrada. Parei na Avenida 15, entrei na Confeitaria Copacabana, olhei para as mesas e vi um camarada me saudando, lá de dentro. Olhei bem, era ele. Quem tem razão é Tia Zulmira, quando diz que Vínícius de Moraes, se fosse um só, seria Vinício de Moral."
- O travesti Rogéria era a Roberta Close do gênero, nos anos 60. Em homenagem a ela, e à turma do terceiro sexo, "já quase passando pra segundo", Stanislaw acabou fazendo a Marcha da Bicha Louca para ela: "Nunca mais quero sair fantasiado / Nunca mais quero brincar no carnaval / Nunca mais, ai, serei vaiado / Naquele baile do Municipal /... / Começou o desfile e a fofoca solta em pleno salão / Sonho de Messalina não sabe de quem levou um bofetão / Esplendor Renascentista foi desclassificado / Aí deu um pulo pra cima e caiu desmaiado /... / Me afastei do concurso, só não chorei porque não sou mulher / E mesmo que eu fosse, nunca seria como uma qualquer / Voltei pra casa carpindo a minha dor / Rasgado e amassado de Rei Nabucodonosor."
– Londres, 1966. Copa do Mundo. Em um hotel, Sérgio e outros jornalistas encarregados da cobertura da Copa esperam, no saguão, a vinda do coleguinha José Inácio Werneck. Aproveitando que estava na terra do fog, José Inácio vestiu-se a caráter, como um dandi : chapéu coco, paletó de tweed, sobretudo, guarda-chuva, foulard de seda, tudo arrematado com um cachimbo. Ao chegar no mezanino, que se abria para o saguão de entrada numa escadaria digna de Gilda (ou de Gloria Swanson, em Sunset Boulevard), Zé Inácio deu uma paradinha. Foi o que bastou para que Sérgio, lá de baixo, gritasse, decompondo-lhe todo o aplomb :
— Zé ! Eu já vi esse filme !.... Cê morre no fim !....*
*Sérgio/Stanislaw, é outra lembrança de Renato Sérgio em "Dupla Exposição", também era cultura, não só anarquia. Por exemplo, sob o título de Dialeto Carioca, ele apontava para um linguajar específico de uma camada da população de uma certa cidade em determinada faixa de tempo, sinalizando uma fonte para divagações variadas, de lamentos saudosistas a teses sócio-antropológicas:*
"O material (1) foi se chegando, entregou a granolina (2) ao vida mansa (3) e lascou: "Na crista da minha onda ninguém pega jacaré (4)". O distinto morou logo que ela tinha quebrado algum galho (5) para sair do embaraço. O bom cabrito não berra e o seu mapa da mina (6) era bom cabrito e se estava bronqueando era porque a juriti tinha cantado em seu telhado (7). Perguntou o bicho que tinha dado (8) e ela foi logo dando o serviço (9). Disse que vinha beirando o asfalto (10) quando uns e outros (11) começaram a acampanar (12). Fez a otária (13) mas o cara vinha de pisante (14) firme no reboque (15) doido pra salivar (16) a proposta. Era muita soberba (17) da parte dele querer apanhá-la assim no simplesmente. E acrescentou: Por acaso ele não residiu (18) logo que eu não sou de arreglo fácil (19)?" Pelo jeito tinha castigado umas cangibrinas (20) e não estava custando muito para apagar (21). Ela ainda olhou em volta para ver se algum chapinha de fé (22) podia lhe valer, mas o cara já tinha atracado (23), Foi nesse momento que os passageiros do condução gratuita (24) saltaram na esquina e vieram com pinta (25) de quem vai autuar. 0 tira (26) que vinha na frente disse: "Nos trotuá da vida, né, sua folgada?" E segurou-a pelo braço pra metê-la na viatura. "Comigo não tem bronca, meu compadre!" Abriu a caixa (27) devagar e palmeou um retrato novinho do descobridor na mão dele, por trás do biombo (28). Aí foi mole (29) 0 trio sentiu o calor da erva (30) e amoleceu legal. "já vi que estou falando com uma dama compreensiva!", falou. Se mandou (31) para a viatura e ela já ia em frente quando o otário voltou à retranca (32). Mas aí já era outro enredo (33). Entrou em negociações com o indigitado e, depois de um serviço rápido, tomou quatro retratos do almirante (34). Um pelo gasto que tivera e três de juros. Sim, porque ela não se virava (35) pra sustentar o pessoal da Vigilância (36). 0 vida mansa jogou o fumador (37) longe e perguntou: Se tomou três de juros, como é que só me entregou dois?" Ela ia dizendo que do outro cabral ia precisar, mas como ele ameaçou soltar o sarrafo (38) entregou o dinheiro todo e ainda exclamou, sorrindo: "Tu é fogo no paiol (39) né, deputado?"
Traduzindo:
1 - mulher de vida fácil; mundana, prostituta. 2 - dinheiro; 3 - gigolô; 4 - fazer alguém de bobo; 5 -contornar uma dificuldade; 6 - mulher que sustenta homem; 7 - estar em perigo; 8 - ocorrência; 9 -relatar; 10 - caminhar pela calçada; 11 - desconhecidos; 12 - observar; 13 - simplória; 14 - pé; 15 -seguir com insistência; 16 - propor com palavras; 17 - audácia; 18 - entender; 19 - receber pouco dinheiro por um serviço; 20 - cachaças; 21 dormir; 22 - amigo; 23 - abordado; 24 - carro de presos; 25 - com jeito; 26 - policial; 27 - bolsa; 28 - discretamente; 29 - fácil; 30 - dinheiro na mão; 31 - ir embora; 32 - tornar a seguir; 33 - história; 34 - cédulas de mil cruzeiros; 35 - exercer atividade pouco honesta; 36 - polícia; 37 - cigarro; 38 - bater; 39 - perigoso; 40 - que convence pela oratória.
O CADERNINHO DO LALAU
Quem tem hoje mais de 40 anos, não precisará de maiores esclarecimentos a respeito da beleza e da exuberância dessas mulheres (nunca esquecendo que algumas delas ainda estão por aí, e que, quando Stanislaw vivia, elas tinham mais de trinta anos a menos na quilometragem. A grande maioria delas, as vedetes, que integravam as "certinhas do Lalau", e pertenciam ao chamado "teatro rebolado", teve romances com Sérgio.
Este é o último dos caderninhos de telefones do neto da dona Arminda :
Angelita Martinez 379663, Anilza Leoni 576911, Aracy de Almeida 294145, Aizita 561242, Annik Malvill 577522 recados, Aida Campos 271348, Andréa 578369, Blanche Mur 570178, Brigitte Blair 473242 ou 363424, Bibi Ferreira 256649, Betty Faria 578267, Cléa Soares 328219, Consuelo Leandro 472603, Carminha Mascarenhas 361774, Carmen Verônica 476347, Celeneh Costa 579138, Conchita Mascarenhas 364817, Cyriara 568115, Diana Morell 376388 ou 371367, Delly de Azevedo 470124, Dercy Gonçalves 375051, Darlene Glória 364524, Dulce Nunes 277952, Debora Dinarte 376076, Dirce Porto 371282, Eneida 367967, Elizabeth Gasper 477526, Elsie Lessa 372018, Eloina 579282, Elizeth Cardoso 259525, Esmeralda Barros 274686, Ema D'Ávila 365017, Elza Soares 452581, Eliana Pittman 570994, Eva Wilma 279374, Evelyn Rios 465871, Fernanda Montenegro 464503, Gilda Aranha 373810, Gigi do Baccarat 267125, Gina Le Feu 228201, Helena Amaral 577814, Hilde Weber 373728, Helena Sangirardi 273425, ítala Nandi 270701, Irene Ravache 447993, lona Magalhães 376214, Irma Alvares 365979, 11ka Soares 365946, Julie Joy 573067, Jussara Lupe 564203, Katia 270077 (que no trabalho era Mariza, 425731), Lana Bittencourt 261810, Luely Figueiró 360232 recados, Linda Batista 360269, Lenita Bruno 277983, Lúcia Lamour 472073, Lygia Rinelli 476437, Lílian Fernandes 570253, Marly Tavares 424306, Maria Pompeu 367110, Míriam Pérsia 477279, Marilu Bueno 360614, Magda 377242, Mara Abrantes 572058, Maria Augusta 363711, Mirthes Paranhos 578885, Márcia Rodrigues 362306, Maria da Glória 363498, Marivalda 571719, Marina Montini 560344, Marlene 476201, Nathalia Timberg 370580, Nilsa Benes 340723, Norma Bengell 371904, Neuzinha Toda Hora 371083, Nair Bello 271673, Nancy Wanderley 471561, Nelly Martins 439735, Nádia Maria 464836, Nelia Paula 570611, Nara Leão 378045, Odete Lara 479911, Patrícia Lacerda 274830, Rosali Rondelli 573042, Regina Rosemburgo 279502, Rosana Toledo 329263 BH, Rosinha Lorcal 476677, Renata Fronzi 471917, Rosita Lopes 423191, Rosemarie Sulquer 473892, Sagramor de Scuvero 458655, Sílvia Fernanda 370364, Sônia Corrêa 579535, Sandra Sandré 363399, Silvinha Telles 375159 ou 577245, Sônia Müller 570437, Sônia Clara 370768, Thelma Elita 457583,Têreza Rachel 254774, Thaís Muniz Portinho 577873, Tereza Souza Campos 371947, Tônia Carrero 466076, Tati de Moraes 276579, Terezinha Elisa 276297, Vanja Orico 450211, Vêra Vianna 373127, Wanda Moreno 563394, Yara Côrtes 373662, Zélia Hoffman 365646 e Zélia Martins 370675.
(Nomes e números na dependência direta do objetivo, uma ligada para Dercy Gonçalves, Linda Batista, Eneida ou Elsie Lessa, evidentemente não tinha a mesma finalidade de um alô para Gina Le Feu, Lúcia Lamour ou Neuzinha Toda Hora.)
Como se vê o orgulho dos Ponte Preta jamais foi de chupar picolé pelo pauzinho.
**Uma homenagem ao Sérgio Porto no ano que comemoramos 40 anos de sua partida.
*pesquisa realizada em sites da internet
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