Carlos Drummond de Andrade : A ilusão do migrante
em 01/07/2008 18:49:38 (12972 leituras)
Carlos Drummond de Andrade

Quando vim da minha terra,
se é que vim da minha terra
(não estou morto por lá?),
a correnteza do rio
me susurrou vagamente
que eu havia de quedar
lá donde me despedia.
Os morros, empalidecidos
no entrecerrar-se da tarde,
pareciam me dizer
que não se pode voltar,
porque tudo é conseqüência
de um certo nascer ali.

Quando vim, se é que vim
de algum para outro lugar,
o mundo girava, alheio
à minha baça pessoa,
e no seu giro entrevi
que não se vai nem se volta
de sítio algum a nenhum.

Que carregamos as coisas,
moldura da nossa vida,
rígida cerca de arame,
na mais anônima célula,
e um chão, um riso, uma voz
ressoam incessantemente
em nossas fundas paredes.

Novas coisas, sucedendo-se,
iludem a nossa fome
de primitivo alimento.
As descobertas são máscaras
do mais obscuro real,
essa ferida alastrada
na pele de nossas almas.

Quando vim da minha terra,
não vim, perdi-me no espaço,
na ilusão de ter saído.
Ai de mim, nunca saí.
Lá estou eu, enterrado
por baixo de falas mansas,
por baixo de negras sombras,
por baixo de lavras de ouro,
por baixo de gerações,
por baixo, eu sei, de mim mesmo,
este vivente enganado,
enganoso.




fonte: poetas famosos



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Enviado por Tópico
jessé barbosa de oli
Publicado: 02/07/2008 13:10  Atualizado: 02/07/2008 13:10
Da casa!
Usuário desde: 03/12/2007
Localidade: SALVADOR, Bahia
Mensagens: 334
 Re: A ilusão do migrante
postei este poema
porque, para mim,
ele expressa a seguinte mensagem:
por mais que você tente se tresmalhar, se distancie
da suas origens e do seu nascedouro,
eles sempre o acompanharão como
uma sombra onipresente, como uma marca
indelével!

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