Caro Jessé,

Tomo a liberdade de responder seu comentário em nome desta notável, explosiva e polêmica Hilda Hilst. Digo isto porque tive a honra de ser seu amigo enquanto viveu. Freqüentei sua casa, na verdade uma chácara, na cidade de Campinas, no interior de São Paulo. Hilda era pessoa difícil, de poucos amigos. Seus amigos de fato eram, sem dúvida, os quase sem cachorros que viviam com ela.Transitavam livremente por todos os cômodos da casa. Eram dóceis. Mas na porteira de entrada estava escrito: "Cuidado, cão bravo." Fico a pensar quem seria este cão.Hilda transitou por todos os gêneros literários: poesia, contos, novelas, dramaturgia e até a pornografia. Foi injustiçada em vida. Quando jovem, constatei pelas fotos, foi uma das mais lindas mulheres da época. Sua beleza
seria atual ainda nos dias de hoje. No entanto, os abusos com tabaco e álcool acabaram por envelhecê-la. Quantas vezes nas visitas que lhe fiz me esperava às 10 da manhã com uma taça de Vinho do Porto na mão. As pessoas foram impiedosas com ela. A agressividade era sua forma de defesa. Por isso o difíl convívio. Já na velhice, ao ter um dos seus livros lançados na França, recusou um convite para ir a Paris: "Paris", disse-me ela, "era bom quando eu fodia. Agora não fodo mais." Coisas de Hilda. A editora Globo está relançando sua obra completa. Pena que ela não chegou a ver nenhuma dessas re-edições. Apesar da chácara e dos quase cem cães, Hilda morreu pobre. Como mantinha os animais? À custa da Faculdade de Veterinária, da Universidade de Campinas e dos poucos amigos. A chácara herdara dos pais, mas não podia vender alguns lotes para viver melhor. Motivo: estava com Impostos atrasados. A Prefeitura de Campinas não perdoou a dívida. Seus livros, sua chácara e os cães estão sob os cuidados Unicamp. Cuidar dos cães foi uma exigência que ela deixou em testamento. Do contrário, não doaria nem a biblioteca e nem a casa. Apesar dos pesares, dei boas risadas com esta fantástica bruxa vamp.

Júlio Saraiva