...
Seja por esta hora que me leveis a enterrar,
Por esta hora que eu não sei como viver,
Em que não sei que sensações ter ou fingir que tenho,
Por esta hora cuja misericórdia é torturada e excessiva,
Cujas sombras vêm de qualquer cousa que não as cousas,
Cuja passagem não roça vestes no chão da Vida Sensível
Nem deixa perfume nos caminhos do Olhar.
Cruza as mãos sobre o joelho, ó companheira que não tenho nem quero ter,
Cruza as mãos sobre o joelho e olha-me em silêncio,
A esta hora em que eu não posso ver que tu me olhas,
Olha-me em silêncio e em segredo e pergunta a ti própria
- Tu que me conheces - quem eu sou...
30/6/1914
Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa - trecho)
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