José Paulo Paes : Vida e Obra
em 02/02/2012 13:14:34 (17668 leituras)
José Paulo Paes

José Paulo Paes (Taquaritinga, 1926 — São Paulo, São Paulo, 9 de outubro de 1998) foi um poeta, tradutor, crítico literário e ensaísta brasileiro.
Tendo estudado química industrial na cidade de Curitiba (entre 1945 e 1948), durante muitos anos José Paulo trabalhou em laboratório farmacêutico. Todavia, paralelo a essa profissão jamais deixou de lado a literatura, cujo interesse foi lhe passado pelo avô que era livreiro, sendo que ainda nos tempos de aluno em Curitiba, já colaborava com a revista Joaquim, dirigida por Dalton Trevisan. Dessa temporada paranaense nasce seu livro de estréia, O aluno, de 1947, fortemente influenciado pela poesia de Carlos Drummond de Andrade, o qual o respondeu com o conselho de evitar a imitação de vozes alheias.
Em 1949, transfere-se para São Paulo, quando passa a colaborar com os jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Tempo, Jornal de Notícias e Revista Brasiliense, aproximando-se de escritores modernistas como Graciliano Ramos, Jorge Amado e Oswald de Andrade. Conhece também Dora, sua mulher por toda a vida a quem dedicou Cúmplices, de 1951, seu segundo livro. Por falta de um estudo melhor, sua obra foi comparada às dos poetas da Geração de 45, tendo inclusive participado de uma antologia na companhia de Haroldo de Campos e Décio Pignatari, quando eram chamados de “Novíssimos”, ou seja antes da eclosão da poesia concreta, à qual Zé Paulo soube com inteligência absorver, cujos resultados apareceram em seu livro Anatomias de 1967, apresentado justamente por Augusto de Campos. Mais que poesia concreta seu livro aproveitava um ritmo mais oswaldiano, como nos poemas “L'affaire Sardinha” (que fora publicado em 1962 na antologia Violão de Rua, da UNE) e o conhecido “Epitáfio para um Banqueiro”
Por volta de 1963, Zé Paulo dá início a um trabalho editorial intenso à frente da Editora Cultrix, abandonando o trabalho como químico, dedicando-se a partir de então integralmente à literatura. Na companhia de Massaud Moisés foi organizador do Pequeno Dicionário de Literatura Brasileira, publicado pela Editora Cultriz em 1967.
Em 1981,José Paulo aposenta-se como editor, dando início a um dos mais competentes trabalhos de tradução entre os escritores brasileiros, verteu para o português autores de diversas línguas, como Charles Dickens, Joseph Conrad, Pietro Aretino, Konstantínos Kaváfis, Laurence Sterne, W. H. Auden, William Carlos Williams, J.K. Huysmans, Paul Éluard, Hölderlin, Paladas de Alexandria, Edward Lear, Rilke, Seféris, Lewis Carroll, Ovídio, Níkos Kazantzákis, entre outros tantos. Seu reconhecimento na matéria resultou em sua nomeação como Diretor da oficina de tradução de poesia no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Em 1986 vem a público o livro Um por todos, reunião de seu trabalho até então, apresentado pelo crítico Alfredo Bosi. Vem ainda da década de 1980 seu interesse pela poesia infantil, com a qual alcançou grande êxito entre as crianças.
Em 1989, Zé Paulo lança pela coleção Claro Enigma, organizada por Augusto Massi, o livro "A poesia está morta mas eu juro que não fui eu", título extraído do poema "Acima de qualquer suspeita".
Na década de 1990 dá seqüência ao seu trabalho, lançando diversos livros de ensaios, poemas infantis, traduções e poesia, sendo um dos mais bem recebidos "Prosas seguidas de odes mínimas", livro no qual reflete um momento difícil de sua vida, quando tem uma perna amputada, como pode-se ler no poema "Ode à minha perna esquerda":
Ao falecer em 1998, deixou inédito o livro "Socráticas" que veio a público em 2001.


Entrevista por Rodrigo de Souza Leão com José Paulo Paes
jun/98

Jornal de Poesia - O que o poeta deve ter, de menino, para realizar o seu trabalho?

José Paulo Paes - Uma pequena objeção: poesia não é trabalho, é vocação. Para realizar a sua vocação, todo e qualquer poeta deve preservar o menino que todos trazemos dentro de nós mas que a vida dita prática nos obriga freqüentemente a renegar. O poeta é aquele que se recusa a renegá-lo. E, paradoxalmente, é esse menino que o torna o poeta o mais agudo dos adultos.


Jornal de Poesia - O que busca na sua infância para elaboração dos seus poemas?

JPP - Não creio que se trate de uma busca deliberada. A rigor, o poeta não escreve o poema: o poema é que se escreve através dele. Não que o poeta escreva às cegas, como um medium em transe. Mas a minha experiência me indica que o embrião do poema nasce por si, fruto de uma intuição ou inspiração. À artesania do poeta compete levar o embrião até o fruto final. As mais das vezes, tal embrião é feito de uma ou mais proteínas da infância. Todavia, só as descobrimos a posteriori, quando o poema se completa.


Jornal de Poesia - Como brincar de poesia sem ser infantil?

JPP - Sendo apenas e tão-somente poeta, tipo de homem que se orgulho de ser um adulto infantil ou uma criança adulta.


Jornal de Poesia - Qual a diferença entre brincar com palavras e brincar simplesmente? A poesia é uma brincadeira?

JPP - Você está levando ao pé da letra o que “Convite” diz. Nunca se deve levar um poema ao pé da letra. A poesia está sempre além da letra. O que eu quis dizer em “Convite” é quem se não se deleita, passiva ou ativamente, no convívio com as palavras, jamais conseguirá descobrir o que seja poesia. A quel é, no meu entender, a festa das palavras. Festa no sentido de alegria gratuita, em contraposição a utilização interesseira.


Jornal de Poesia - Como se fundem, num mesmo escritor, o ensaísta, o tradutor e o poeta?

JPP - Nenhum de nós é um só. Se o fôssemos, a vida seria insuportável. Já imaginou alguém que pudesse ser, por exemplo, funcionário público 24 horas por dia? Alguém que também também não fosse pai que brinca com os filhos, torcedor que sofre e se alegra pelo seu time, dançarino ou ouvinte de música? No meu caso, o poeta é o ponto de partida. Não acredito em poeta que não pense acerca do seu ofício: daí o ensaísta. Nem acredito em poeta que não aprenda com outros poetas, principalmente de outras línguas que não a sua própria: daí o tradutor.


Jornal de Poesia - Em “Acima de qualquer suspeita” o senhor jura que não matou a poesia. Quem a matou?

JPP - A poesia morre toda vez que se publica um mau poema. Por isso mesmo, só publico um poema quando acho que estou de mãos limpas. Se me enganei, perdão: mandem-me para a guilhotina.


Jornal de Poesia - Sobre os poetas que o influenciaram, alguns dos quais estão citados em “Acima de qualquer suspeita”. Fale um pouco de cada um.

JPP - Em vez de responder à sua pergunta, que exigiria todo um ensaio para ser respondida, prefiro remetê-lo à leitura dos poetas citados e, se ainda tiver interesse, da minha poesia. Aí você verá em que medida me influenciaram e em que medida lhes sublimei a influência numa dicção diferenciada.


Jornal de Poesia - Considera-se injustiçado, esquecido ou eclipsado por talentos duvidosos?

JPP - Não, pelo contrário. Acho que mereci mais atenção do que talvez merecesse.


Jornal de Poesia -. Em “Elegia holandesa” você utiliza a linguagem concreta. Que balanço faz desse movimento?

JPP - Não sou contabilista literário e não tenho a menor vocação para balanços -- a menos que seja balanço de samba. Tampouco creio que haja uma linguagem concreta. O que há são alguns procedimentos verbais e visuais desenvolvidos pela poesia concreta. Deles me vali, a uma certa altura, para levar avante o gosto pelo humor que sempre foi consubstancial à minha dicção de poeta.


Jornal de Poesia - Acredita em poesia sem linguagem poética?

JPP - Depende. Se por linguagem poética se entender linguagem enfeitada, repleta de metáforas que não sejam consubstanciais ao que o poeta intenta dizer, ela em nada adianta à poesia. Poesia, para mim, é a capacidade de iluminar a linguagem de todos os dias, aprofundando-lhe os significados, tornando-os de tal modo memoráveis que eles nunca mais consigam separar-se do modo por que foram ditos.


Jornal de Poesia - Como definiria poesia?

JPP - Não tenho nenhuma definição de bolso. Aliás, sou cético quanto às definições de bolso. Mas poderia dizer que, ao longo da minha experiência pessoal, deparei-me com três concepções de poesia. Os professores do curso primário me incutiram a idéia de que ela era um tipo especial de linguagem rimada, metrificada e enfeitada, para ser declamada, mão no peito, durante as festas escolares. Mas os versos metafísicos de Augusto dos Anjos, com que travei contacto aos l5 ou 16 anos, abalaram essa idéia primeva ao convencer-me, pela força do exemplo, de que poesia é a linguagem de descoberta do mundo e das perplexidades que ele podia suscitar em nós. Tanto o mundo fora como o mundo dentro de nós. Um pouco mais tarde, com os seus poemas desafetados que estilizavam a linguagem coloquial, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade me ensinaram que poesia é a redescoberta da novidade perene da vida nas pequenas/grandes coisas do dia a dia. Desde então, em maior ou menor grau, venho tentando ser fiel, em quanto escrevo, a essas duas últimas concepções. Meu ideal poético é a desafetação, a concisão e a intensidade postas todas a serviço da minha própria visão de mundo.


Jornal de Poesia - “Lisboa: aventuras” é um poema-piada. Em que condições o escreveu?

JPP - Certa vertente da geração de 45 via com maus olhos o poema-piada. Pessoalmente, acho que o humor é um dos ingredientes de base do sentimento poético. Esse poema eu o escrevi por ocasião de minha primeira viagem a Portugal, quando me diverti com as discrepâncias vocabulares entre o falar brasileiro e o lusitano. Explorei caricaturalmente essas discrepâncias sob a égide alusiva da “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias, que exprimiu emblematicamente, para além das similitudes de origem, a diferencialidade de base entre o sentir brasileiro e o português.


Jornal de Poesia - Seu poema “O engenheiro” é um exemplo de concisão. Como enriquecer o poema, cortando, lapidando, buscando a palavra exata?

JPP - Acho que é uma questão de temperamento. Sempre tive, da poesia, uma concepção epigramática. O multum in parvo, o muito no pouco. Quanto menos palavras se use para dizer algo, maiores as possibilidades de dizê-lo melhor. Nesse poema especificamente, através de umas poucas notações, tentei exprimir as minhas esperanças juvenis (escrevi-o aos 19 ou 20 anos) de um mundo construído com limpeza e solidariedade pela inteligência humana que fosse mais justo do que o mundo injusto em que eu próprio nascera.


Jornal de Poesia - Em “O poeta e seu mestre”, o poeta veste-se de mestre? É preciso ser um pouco outro poeta para ser um grande poeta também?

JPP - Ao contrário do que você diz, nesse poema eu sou apenas o aprendiz da humilde grandeza humana de Carlitos. “O poeta e seu mestre” apareceu no meu livro de estréia cujo título era O aluno. Por si só, tal título responde à sua segunda pergunta. O discípulo precisa de um mestre para deixar de ser discípulo e adquirir voz própria. A esse voz própria sempre aspirei. Mas nunca ambicionei ser um grande poeta. Ser poeta tout court já é para mim dignidade bastante.


Jornal de Poesia - “Canção do afogado” é belíssima. Não acha que a poesia está viva e muito?

JPP - Esse poema é também um poema de juventude, com evidente influência bandeiriana, desde logo declarada no vocativo “Maninha” que se repete ao longo dele. Concordo em que a poesia está sempre viva, mesmo porque é uma forma essencial de experiência humana, que só poderia desaparecer com a extinção da nossa espécie. Quanto a estar “muito viva”, não sei dizer. Contento-me em saber que não morreu.


Jornal de Poesia - No soneto “O aluno”, o senhor mostra mestria. Qual a semelhança entre o poeta e um aluno?

JPP - Respondi implicitamente a essa pergunta mais acima, no item 4. Pelos poemas que você cita, vejo que, através da Internet, teve acesso apenas a poemas do meu livro de estréia, O aluno, publicado em 1947, e a A poesia está morta mais juro que não fui eu, de 1988. Mas depois de O aluno, e antes e depois de A poesia está morta mas juro que não fui eu, publiquei várias outras coletâneas de poemas. Nesse sentido, atrevo-me a recomendar-lhe ler os meus livros de poemas, em vez de procurá-los apenas na Internet. Não escrevo para internautas; escrevo para leitores de livros. Se me permite uma sugestão, por que não lê Prosas seguidas de Odes mínimas, publicado pela Cia. das Letras e ainda hoje encontrável nas boas livrarias? Através dele, você e outros freqüentadores do endereço eletrônico do seu “Jornal de Poesia” poderão ter uma idéia mais cabal da natureza e dos propósitos da minha atividade poética.

Fontes: wikipédia e Jornal de Poeisa.


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