Viver seu tempo: para o que ir viver
num deserto literal ou de alpendres;
em ermos, que não distraiam de viver
a agulha de um só instante, plenamente.
Exceç~so aos desertos: o da Caatinga,
que não libera o homem, como outros,
para que ele imagine ouvir-se mundos
ouvindo-se a máquina bicho do corpo;
para que, só e entre coisas de vazio,
de vidro igual ao do que não existe,
o homem, como lhe sucede num deserto,
imagine sentir outras coisas ao sentir-se;
embora um deserto, a Caatinga atrai,
ata a imaginação; não a deixa livre,
para deixar-se, ser; a Caatinga a fere
e a ideia-fixa: com seu vazio riste.
.
Ele ocorre vazio, o tal tempo ao vivo;
e, como além de vazio, transparente,
habitar o invisível dá em habitar-se:
a ermida corpo, no deserto ou alpendre.
Desertos onde ir ver para habitar-se,
mas que logo surgem como viciosamente
a quem foi ir ao da Caatinga nordestina:
que não se quer deserto, reage a dentes.
João Cabral de Melo Neto, em; "A educação pela Pedra e outros poemas"