Onde há uma estrela há um homem nocturno
Um homem hemisférico que pensa na luz.
Ele sabe que a lâmpada é o cordeiro. Sabe que a cidade
Não precisa do sol nem da lua. O homem acende na cidade
O pensamento.
O cordeiro está em pé como que degolado e o sangue
Corre da ferida viva como um braseiro. A lâmpada
Abre uma constelação no chão: o livro
Que nomeia e nutre os ressuscitados.
O homem põe a estrela na direcção da vida
Um astrolábio celeste. Não precisa do sol nem da lua
Porque tem o cordeiro em pé e de frente.
Ele sabe que o cordeiro é pedra que está ferida
E roda-a devagar até ele próprio ser a fonte.
O homem junta as duas mãos como quem bebe
E queima-se nas mãos, na boca, nas entranhas
Com o lume muito novo da bebida.
("Dos Líquidos" Daniel Faria Fundação Manuel Leão, Porto, 2000 )