O infame D. João é o torpe aventureiro
Que dirige do amor as sórdidas roletas,
fazendo tilintar a bolsa do dinheiro
Quando passam na rua, à noite as Julietas.
É o rico burguês pançudo, escalavrado,
E que, apesar de ter os dentes já corrutos,
Sibarita cruel, fareja no mercado
Da branca virgindade os mais soberbos frutos.
É o bardo scismador, linfático, plangente,
Doce como o luar, negro como um abismo,
O poeta que traz no coração doente
A velha flor azul do sentimentalismo.
São os grandes leões devassos, petulantes,
Manfredos imbecis, eróticos Mussets,
Que expõem de madrugada as cartas das amantes
Aos risos triviais nas mesas dos cafés.
É o sátiro Tartufo, o D. João viscoso
O lobo sensual que habita a sacristia,
E cujo o olhar faminto e o cujo olhar guloso
É feito de luxúria, e treva, e covardia.
Tem todas as feições, ainda as mais vulgares;
Usa indistintamente os fraques e as batinas;
Anda por todo mundo, em todos os lugares,
Desde o melhor palácio ás últimas sentinas.
Penetra brandamente as vossas consciências,
Aguilhoa, domina os vossos corações!
É o verme do amor, subtil como as essências
E forte como a garra adunca dos leões.
É o monstro que faz perder a cor às rosas
Que sonham ao luar nevrálgico amores;
E é ele que produz as chagas escrofulosas
No mimoso setim das delicadas flores.
Como a ferrugem morde as espelhadas lanças,
Assim êle conspurca os nobres caracteres;
E à tarde, ao pôr do sol, muitíssimas crianças
desfolham só por ele os brancos malmequeres…
E o destino cruel dessas visões inermes
Resume-se afinal, pobres visões celestes!
Em irem engordar os libertinos vermes,
E fazerem crescer a rama dos ciprestes.
A morte de D. João
(1874)