
A MÃO QUE ACENA
Data 15/08/2009 12:43:09 | Tópico: Poemas
| A MÃO QUE ACENA
Toma essa mão que acena adeus que desentrava toda a tristeza do mundo. U'a mão pálida um olhar soturno. E toda a tristeza do mundo.
Mergulho meu dia na luz malsã do mercúrio passando o dia todo, todos os dias passando por mim, pensando que passo no mundo.
Não! Não farei como os poetas abnegados que deixaram nomes encravados em placas largaram obras belíssimas aos olhos do mundo. Passarei em claro, deitarei em escuro e terá sido tudo.
E será tudo passar assim pelo mundo? Se olho, não vejo; se vejo,não escuto. Se amo não odeio; se quero, discuto. Discuto comigo nas serras da minha cabeça procurando caminho na aurora aurorescendo que esse caminho aconteça. Que aconteça de repente, feito nascimento para que todos os caminhos desapareçam só restando um caminho e eu seja criança que se alimenta de um caminho que a abasteça que me faça dono do mundo, senhor das coisas e da razão. Criança vestida de homem posando para retrato no jardim enquanto espocam as luzes dos dias na sala. II AH, toma essa mão que acena adeus. Repousa todas as mãos e restará essa que desentranha toda a tristeza do mundo.
Em casa, escutando sons familiares louças que entretinem, água que jorra parentes que falam ...Essa é toda a vida. Mas terá vida essa vida de família pelos ares? Será vida acalentar nesse quarto o sonho da vida? Será vida amassar mil papéis da vida? Escrever mil linhas e chamá-las vida?
O que será viver se passo em branco todos os meus dias? Não altero nada não provoco nada, não amo nada sinceramente. Desejo mil coisas e passo por elas, tão perto, que meu desejo fica contente
e ri meu desejo em minha boca e presto atenção no gato do hotel na senhora que lava o rosto na pia na área na menina que grita mãe! nas danças de rua nas portas dos bares Atencionado a tudo, estaciono paro, mole e parvo, à beira de tudo e não mudo nada, nada mudo Por isso, toma essa mão que acena adeus pergunta a ela se é viver passar ao largo do mundo.
Mas pergunta ríspido e forte que essa mão tonta às vezes faz-se de surda para passar sem resposta a tantas perguntas absurdas. III Toma essa mão que acena adeus Reconforta-a no desenho do teu seio aqueça-a com o calor do teu corpo. Não tenha medo do homem atrás da mão ! O homem é uma coisa de pó finíssimo, que toma a forma de jarro onde se derrama uma gota de poesia. Forma-se o miraculoso barro
d'onde surge essa mão que se levanta do pó para tornar-se mão para acenar adeus à própria vida ou a vida do próprio irmão.
Quantas vezes o homem detrás da mão bem oculto pelas falanges aneladas esteve louco de tanto olhar e não ver outra mão?
Eram jarros sem pingo de poesia que marchavam lá fora rolavam, chocando-se com tanta força que rompiam espalhando o pó Pó tão espesso, tão pesado que logo tomou a cidade cobriu o céu até não se ver estrela. O pó alevantado não assentava Tranquei-me em livros, armadilhas de amar, em corpos frios de copos vazios cofres antigos de segredos perdidos Mas o pó achou-me A poeira pesou meus ombros Eu a respirei Quando abria a janela, não pasmei:
estava infecto, imundo, não ventilado Aquele pó era o mundo e o mundo não cabia no vaso.
Toma, urgente, essa mão que acena Beija-a, abraça essa mão que não repousa que insiste acenando adeus coberta de um pó que não se afugenta. IV Oiço tantos sons familiares o relógio, a buzina, o assobio desafinado os passos da menina, o grito do soldado Nessa janela, abismado confirmo com meus olhos que minha família está pelos ares Durmo preocupado sonhando com o pó envenenado. V Vamos, toma logo essa mão não a deixa ao acaso tentando erguer-se da mesa estando o corpo anestesiado. Não te apavore, amada, não te apavores!! Hás de ver tantas mãos acanhadas que hás de implorar pela minha mão que te acode empurrando teus passos pela estrada. Minha mão, no silencio da chuva que desaba está fria, morta, quieta lutando contra o vício que a descarna. Minha mão não quer ser poeta não quer o formol das estantes não anseia taças póstumas pousadas na sua palma sem semblante. A mão quer a paz dos arvoredos quer o canto das aves trinadoras o vôo da rapina mais absoluta a envergadura de asas perfeitas Minha mão quer dormir um sono tranquilo sabendo que a poesia pulou o muro saiu do quintal esquisito e veio cá fora respirar ar mais puro.
Minha mão quer liberdade quer justiça. Uma justiça sem mãos sem crinas Minha mão que acena adeus não quer abrigar sonhos em sua morada Não quer estalar patíbulos não escalar horas marcadas
Minha mão quer ser amada!
Quer que tu a toques com cada dedo da tua alma
Minha mão que acena adeus acena a Deus que do longe das estrelas acena duas mãos perfeitas à minha mão deformada.
|
|