
AS DOZE HORAS DE VIAGEM
Data 01/02/2009 17:21:10 | Tópico: Poemas -> Sombrios
| Batia a chuva languidamente na veneziana Como se ansiasse fazer-me companhia Naquela noite sozinha, entorpecida e insana Segregava um fundido relâmpago de alegria
O ar cheio de um bafio a sôfrega penúria Encardia a fachada de uma sombria bastilha De onde por vezes se ouviam certos gritos de fúria Oriundos de certos espectros irados como uma matilha
De repente uma linda poluição pairava no lívido ar Quebrando a esfera da solitária e doída tristeza Era uma miragem talvez… mas que cruel beleza Um fruto tão maduro e talhado, mas difícil de alcançar
Eram doze horas em ponto…o sol ia já bem alto No clarão da cidade brincavam dois petizes Lançando um tortuoso e fino arco no quente asfalto Com tal inocência que contagiavam os menos felizes
De certa forma, eram aprendizes verdes do destino Tão inocentes, indolentes ao severo que os rodeava Sem consciência ainda, de como era bom ser-se menino De poder irradiar um esbelto, suave e único sorriso para onde olhava
O sol ocultava-se nas escravas nuvens da noite sombria Era já noite, o tempo uivava de novo uma recôndita e trágica dor Eram as vozes dos paladinos perdidos na velada baía Tão fatal para os viajados trovadores ligados ao amor
Acendiam com lentidão as diminutas e ténues candeias Para iluminar aquela, laboriosa e sonâmbula cidade Em todas as casas sentia-se um crepitar nas lareiras E uma densa aragem tingia o céu de uma tonalidade Plúmbea, tão desastrosa e maligna à procurada felicidade …
Cambaleavam ao longo das estreitas e ledas vielas Dois borrachos vindos do antro da perdição Tinham-se livrado das inexoráveis, sólidas e infames celas Era o encontrar de dois mundos tão opostos em colisão…
Luís Camões
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