
Dona Cida
Data 13/12/2008 13:20:47 | Tópico: Contos
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Ainda era uma mulher forte, tinha setenta e três e ninguém dizia. Naquela manhã ia voltar a uma rotina que lhe dava os rendimentos para comprar as coisinhas supérfluas como ela costumava dizer. Por volta das sete chegava à portaria do prédio da patroa de tantos anos, cumprimentava o antigo porteiro e subia para sua jornada de trabalho. Dona Cida era a diarista querida de Noêmia há muitos anos, sua faxina era muito cuidadosa e já que tinha saúde e ânimo persistiam juntas. O dia ia ser duro, as gatinhas sempre ao redor, olhando o movimento daquela companheira de quinzena, ficavam ali adulando sabedoras que eram do rodízio feito, afinal, aquela era a responsável pelo seu bem estar do dia, embora a amizade fosse verdadeira pois Dona Cida gostava mesmo das bichanas. E por que não gostaria daquelas sapecas que lhe davam tanto trabalho com os pêlos soltos nos cantos da casa. Limpou o amplo apartamento de dois quartos até a hora do almoço quando finalmente sentou-se e depois de fazer um pequeno asseio esquentou a comidinha previamente preparada por Noêmia com carinho, almoçou e ficou ali contemplando o mar, o horizonte, o barco do pescador, avistou quando um pivete abordou o casal de turista, viu a prostituta fazendo uma abordagem pouco sutil no velhote, os jovens casais em amassos sempre urgentes... Ficou ali absorta até que pudesse voltar ao restante da faxina que seria a parte mais pesada. Cinco horas em ponto Dona Cida acabou tudo finalmente, e já de banho tomado e após ter secado o banheiro pegou o dinheiro em cima da geladeira, leu outra vez o recado deixado por Noêmia, fez uns afagos nas gatinhas se despediu delas e desceu o elevador na companhia de outra jovem diarista do 301. As duas se cumprimentaram e a moça parecia aborrecida, falando mal da patroa , maldizendo o tempo que perdia ali e a miséria que ganhava , reclamou da condução muito lenta que iria impedi-la de pegar a tempo sua pequena na creche, do marido malandro... Dona Cida nem teve condições de se despedir já que a mulher saiu do elevador feito um corisco atravessando em meio aos carros. Mas pegou o seu ônibus e voltou para casa a tempo de ver o filho sair para ensaiar violão e o velho marido animado com um telefonema que recebera do primo distante. -Já largou a portaria, meu velho? -Sim Cidinha, vamos tomar um arzinho lá na rua, um choppinho, minha véia? -Vamos sim, espera que eu vou tomar um analgésico , mudar de bolsa e nós vamos espairecer... Ah, que feliz idade essa dos jovens espíritos de sempre...
Nina Araújo.
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