Um todo que faz de mim nada!

Data 06/12/2008 15:42:06 | Tópico: Acrósticos


Sou cego…
Sigo os caminhos traçados por um lápis fino.
Caio nesses caminhos desenhados a carvão;
Em que cada passo
Parece um imenso passar de uma era;
Cada sorriso, vai-se gastando com o tempo.
Cada gesto vai-se desaparecendo
Na nossa imensidade cósmica,
Que afinal de contas é sempre invisível…

Sou surdo…
Nada ouço, nem nada quero ouvir.
O canto dos pássaros podiam-me esboçar um sorriso,
Mas para quê,
Se as vozes irritantes das máquinas
Destruiriam a doce e agradável surdez do silêncio?
Poderia ouvir o mundo inteiro a falar,
Para quê,
Se a maioria só diz disparates em tom de arrogância?

Sou um sem-sabor…
Não tenho sabor, nem a minha língua tem paladar.
Só como para alimentar o corpo que me guarda a alma…
Os alimentos são me iguais ao nada,
Já que o nada não tem sabor.
(Acho eu, memo que tivesse; não o saberia…)
Eu gosto é de me alimentar de palavras,
As palavras fazem os dentes, e os lábios mexerem,
E os olhos fervilharem em movimento…
(Para a frente, para trás, e para os lados, e para dentro de nós mesmos)

Não tenho cheiro…
Sou como o personagem daquele livro de Patrick Süskind ("O Perfume"),
O pobre rapaz de não tinha cheiro, mas queria ter…
Não sou nenhum assassino (pelo menos de seres vivos),
Mas às vezes dá-me para assassinar vezes sem conta
A minha própria e monótona realidade…
Mas fora isso sou apenas um sem cheiro
E ainda bem que assim o é!
(Pois não cheiro mal a mim mesmo, e apenas existo, nada mais!)

Não tenho tacto…
Apenas uso as mãos para escrever,
Pegando numa caneta à primeira vista (porque eu não vejo!)
Ou ouvindo o bater da teclas do portátil (porque eu não ouço!)
Enquanto vou comendo os meus pensamentos (porque não saboreio!) …
E enquanto tudo isto se sente (porque não sinto!);
Chega-me um cheiro ao nariz (porque não cheiro!);
É o cheiro do nada que me vem segredar que sou tudo!
Porque afinal sou tudo de um nada com o meu nome! …


"Uma subita inspriração para escrever"



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