
ZARPA...que incomoda!
Data 05/10/2008 21:52:37 | Tópico: Poemas -> Sociais
| ZARPA… QUE INCOMODA! (Rogério Martins Simões)
O que pensas quando estás só? Que notícias trazem de ti as horas… Por que suspendes os minutos e desprezas os segundos… Secundaram a tua imagem numa versão de cárcere.
Que sabem de ti os amigos? Que dúvidas escorrem nos confins da tua mente. - Mentias se falasses! Por isso nada dizes e o silêncio incomoda.
Morrias se ouvisses um grito! Chorarias se escutasses uma criança! Que criança tem o teu coração? Ainda, assim, escutas o teu próprio silêncio. Resta-te um velho cão…
Continuas só, escutando nada!? Lá fora uma multidão, danada, apedreja um ladrão…
À luz de uma velha cidade florescem cimentos e as gentes passam por edifícios construídos nos penhascos dos lucros… Parecem feras enjauladas que se soltam e percorrem na rotina o caminho contrário.
Contrariamente à sorte não se fala na mesma língua… O regresso é o inverso e o verso de uma partida desesperada…
A todo o tempo se remexe em papéis, em contas, e se contam os tostões para pagar as dívidas!
Que dívida tens para com a sorte em teres nascido?
Zarpa que incomoda! Resta-te um velho cão…
Andam aos tiros nas ruas. Apontam as espingardas às casas vazias. Vivem agora nos fundos a fugir às bombas. Não oiço nada cá em baixo. Não oiço nada cá em cima.
O hospital tresanda a fétida melena de sangue cozido pelo sol. O sol não nasceu para todos!
Estendem-se redes pelos telhados para aprisionar a luz. Falta-me a lucidez!
Zarpa que incomoda! Resta-me um velho cão…
O cão sacode a pulga E a pulga regressa ao homem de onde nunca deveria ter saído.
Na barraca, de tabique, há sempre correntes de ar e cheiros pestilentos das canseiras.
No bidão improvisa-se um lavatório. Emprenha-se um buraco… e faz de latrina…
Ao lado, prego com prego, cheira a catinga E uma velha mulher canta uma desconhecida canção de embalar.
Todas as manhãs são escurecidas com excrementos escorridos…. Cheira a merda!
Zarpa que incomoda… Resta-me um velho cão…
Hoje não penso nas quatro paredes que me cercam. Corri meus olhos numa cotovia Que voava apressada...
Bateram à porta. Foi engano! Lá fora, nas cartilagens da agonia, há tanta luta!
Movimento as minhas mãos E conforto o velho cão Que não se mexe. Sucumbia a uma lambidela...
Zarpa que incomoda… Que sorte ter um cão por amigo!
Lisboa, 31/08/2006
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