
ESQUINAS
Data 26/09/2008 21:35:54 | Tópico: Poemas -> Surrealistas
| Não me compadeço deste grito que alcança o infinito chegando a escorrer enquanto as portas se fecham. Nem deste horizonte entalhado que aparta o dia e a noite incendiando cartazes de ninfetas esquálidas, erráticas, anjos da discordância, sucumbindo na solidão cárnea que arrebata a cor de cada olho cego. Não me compadeço nem deste sol a pino que seca a mão e o ventre daquela que inutilmente pode parir e esconde o lençol sujo de sangue e barro colocando-se na mira das carabinas. Não me compadeço destes pássaros famintos e suas asas abertas, estendidas nas paisagens da imaginação, revelando a densidão de cada voô, nem das suas carnes magras que revestem a brancura dos seus ossos enganosamente imortais. Não me compadeço desta multidão enlouquecida e seu cheiro de urina e suas sombras decapitadas e seu riso febril, instrumento de ladainhas, que mistura angustia e cal no pão seco dos filhos desta fome. Não me compadeço dos meninos e suas dores, do sono dos homens, das mãos calejadas, do relógio que desandou, da aliança que não se fez, do sonho que acabou, do cheiro do estrume, da lágrima da virgem, do pó da terra, do leme do barco, da vida em riste, do muro triste, da menina que ri. Não me compadeço do amor e seus tormentos, seus véus caídos, seus aleijões, sua desfigurada sonolência, sua incerteza, sua covardia, sua dor e seu humilhante ofíco de enganar. Não me compadeço da vida nem da morte. O que me seduz é esta desesperada solidão arqujante aflita, quente, sofrida, engolindo-me a amplidão do olhar que ainda contempla noites frias e azuis onde o silêncio propicia o corte preciso e suave e o gotejar solene deste vermelho delírio insano que corre em mim.
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