
Recado escrito na vidraça
Data 22/09/2008 07:40:34 | Tópico: Poemas -> Introspecção
| Cai o silêncio! Invade-me a existência esta sensação de raiva, que desprezo. Queria sangrar-me em novo néctar transformado. Mas aqui me encontro neste vale de escombros, Nesta rua imunda de humana trampa e sonhos esventrados. Não fui mais que um humano desvario em convulsão, Uma vã ilusão que se desfez como a neve no primeiro sol de verão. Ao menos ela alimenta plantas e flores. Mas eu que fui o que não quis ser nada mais fiz que me afogar no próprio desalento. Nasci despido e sujo e em pranto de previsão do que o futuro me reservou. Iludi-me com o sorriso estendido e com o doce veneno, Em taças de prata servido. Embriaguei-me naquele vale de quente cheiro e insane repouso. Tudo em vão, com em vão foram os quereres acalentados. Tudo miseravelmente em vão, miseravelmente esquecido Miseravelmente recordado e que me incendeia a alma e a física. Dirão os mais doutos das humanas vontades, que fui filho de mim próprio. Que nada tenho a reclamar e tudo devo aceitar Com a plácida passividade do cordeiro de sacrifício. Recuso pois vossas teorias e escárnio e riso de hienas sedentas de sangue. Ergo-me lentamente acima das vossas cabeças ocas de esperança Retiro-me debaixo desses vossos pés nus que me calcam. E riu com o mesmo desprezo com que brindaram a minha queda. Serei, não mais eu, o ignorante boneco que em vossas mãos serviu de gozo Em vossas bocas serviu de alimento em rituais de canibalismo de sentimentos. Não, não voltarei a vossos braços que me roubaram o sonho E dele fizeram vosso troféu igual a tantos mais. Serei, morto ou vivo, digno do abraço que para mim estará guardado Para alem do espaço e para alem do tempo. A vós, pseudo-santos cegos e mudos, a minha piedade!
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