
Cabo das Tormentas
Data 21/07/2008 14:10:00 | Tópico: Textos
| Mestre Domingos Carpinteiro também conhecia a ciência empírica da previsão das mudanças do tempo, e com gosto recitava, como versos, essas pérolas da memória oral: -"Vermelho nascente que pronto descora, Tempo de chuva que está pra demora." Como na nossa terra gostamos de ser poetas, identificando rima com verdade! -"Sol nascente desfigurado, No Inverno, frio; no Verão, molhado." Pensativo, Álvaro lembrava-se da conclusão a que Luciana tinha chegado, acerca da 'Narrativa da Planície': "um mergulho na interioridade". -"Sol que nasce em nuvens sentado Não vás ao mar, fica deitado." Concordara que a palavra-chave do texto era "intervalo", ou "interior". A partir dessa análise, Luciana consegui convencê-lo a uma viagem "sobre a superfície da exterioridade". Em extensão. -"Poente nubloso, vermelho acobreado Safa a japona, que o tempo é molhado." Wirsung recorda o espanto de Álvaro quando concordou com a análise que Luciana fizera do seu texto. -"Nuvem comprida que se desfia Sinal de grande ventania." Interessado em conhecê-la, Álvaro apresentou-lhe a turbulenta amiga passados alguns dias, numa reunião. -"Com céu azul carregado, Teremos o barco em vento afogado." Foi então que ela o convidou a um passeio no Sado, talvez mais longe... -"Foge dum céu azul aleitado; Ou desces à câmara ou ficas molhado." Apenas Luís estava atento às palavras do artífice, com a sua alma de poeta sintonizada nesses sons de timbre antigo. -"Céu pedrento, chuva ou vento, Não tem assento." Agora Luís olhava para Luciana, lembrando-se dos primeiros tempos de angústia desdebrada, em que ela desabafava das grosserias da Escola. -"Nuvens espessas e acumuladas, Ventanias certas e continuadas." Para ela escreveu todos os seus poemas, amava-a como à sua própria duplicação, em Luciana. -"Nuvens pequenas, altas e escuras São chuvas certas e seguras." Agora ela tinha-se transformado naquele esteio de confiança, o centro atractivo da roda dos amigos. -"Se grandes, correm desmanteladas, Mau tempo, velas rizadas." A alegria que irradiava, a polémica que gostava de fazer despoletar com radicalidades, não só verbais. -"Castelos de nuvens sem nuvens por cima São chuvadas certas, mesmo sem rima." Só tardiamente reparou que se distraira dos provérbios, ou que se pusera a pensar noutras coisas, talvez como os outros, afinal, que para isso os provérbios são bons. Eram quase todos bastante sombrios, carregados de fatalismo, contrastando fortemente com as suas divagações. -"Se um trovão seco no céu reboa, Temporal violento nos apregoa." Os presságios pessimistas indicam invariavelmente cautela, bom senso, a base da sobrevivência aprendida desde as primeiras trevas das odisseias dos povos, em todos os continentes e margens. -"Se vem chuva e depois vento Põe-te em guarda e toma tento." Só excepcionalmente se declara o optimismo, por receio de castigo dos deuses. -"Se um dia Deus quiser, Até com norte pode chover." O fatalismo das gentes miseráveis tinha dado origem a toda uma mitologia de preceitos, preconceitos, tolhendo a audácia de muitos. -"Lua nova trovejada, Trinta dias é molhada." Os intrépidos nautas de quinhentos não deram ouvidos a essas vozes, ou teria sido outra a história. -"Relâmpagos ao norte, vento forte, Se do sul vem, chuva também." Como por bússolas, os temeratos regem as suas vidas pelos "dizeres", temerosos e regulados, sem desvios. -"Entre os Santos e o Natal É Inverno natural." Mas também algo de útil sempre se soube colher destas tradições, reflectindo probabilidades frequentes se feitas de experiência, não encaradas como regras, nem traições. -"Chuva miudinha como farinha Dá vento do norte, mas não muito forte." Capítulo 13 de "Lúcido Mar"
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