
O Trem da minha sina
Data 20/07/2008 12:57:48 | Tópico: Poemas -> Reflexão
| O sentido da vida jamais poderemos saber, os dias corridos e apressados jamais poderemos reter.
Observo os outros, próximos, que ao meu lado movem-se pelo instinto do viver. Vão e vêm sem perceberem que uma sina oculta cumprem sem merecerem.
Eu também da minha sina não consigo fugir, de tudo fiz, de tudo aprendi. Faculdade de gente rica, como diziam lá na vila, profissão de família boa, que não se consegue à toa.
Pois bem, por mais que tentasse e tudo fizesse ao meu alcance, cá estou em pé no trem parador seguindo obediente pro meu labor.
A trilha do ruído dos trilhos remete-me às histórias de meu pai, que cumprindo por si também a sua sina nos mesmos trens paradores e diretos apertado e inconformado subia e descia.
Não, não entrego os pontos assim facilmente, da bolsa de couro macio saco a caneta e o caderno, paciente. Anoto as expressões dos pobres coitados e transformo-os em atores, essa gente de recursos tão parcos.
Pelo vagão procuro feições tristes prá rechear os meus tristes escritos, mas sorrisos ingênuos e olhares candentes surpreende a minh’alma de poeta reticente.
Volto-me para a minha própria condição, passageiro desta tão pobre e nobre condução. Na chupeta pendente agarro a minha mão, pro balanço do trem não jogar-me na solidão.
Por de trás de meus óculos, disfarçado, observo Maria de cabelos ondulados e tosca roupa na moda dos rebolados. Mastiga um chiclete já meio deformado.
Ela serve, quem sabe, prá ser a minha heroína dum conto qualquer, que insisto escondido ali existir, e naquele cenário tão pobre tento ainda alguma arte produzir.
Com uma das mãos sustento o caderno com a outra a caneta retiro do terno. Próximo à porta apoio as minhas costas. As histórias de Maria vou tentando dar forma com letras tortas.
A sina da vida sofrida de Maria insisto incluir no meu conto, mas ela é bonita demais e distraio-me com o seu encanto.
Um lugar prá Maria, enfim, não encontro no meu conto. Contudo logo percebo, que o personagem que descrevo sou eu mesmo, que do trem da Central do Brasil ainda é prisioneiro.
A sina da vida, insisto, ainda quero incluir no meu conto. Mas não é a realidade que de fato vivo? Pergunto-me com desencanto.
O sofrimento do enredo que sobrepõe a minha inspiração vai desfazendo daquele conto que não consigo continuação.
A minha sina parece que segue no trem da minha vida e cá estou de caderno fechado, caneta no bolso borrado, observando Maria que com charme o chiclete ainda mastiga.
O balanço desse sofrimento atormenta o meu coração que é solitário de paixão, Maria, quem me dera, que prá ter o seu olhar tudo faria mesmo que fosse por compaixão!
Na estação da Central o meu sofrimento fita o chão. O olhar de Maria se foi na multidão. Meu caderno de escritos agora descansa triste na minha mão. Ainda ouço, ao longe, com emoção o clamor da última pregação.
Anúncios saindo dos alto-falantes da estação ecoam agora inundando o saguão. Eu caminho apressado esbarrando nos braços de tantas marias e em tantas mãos.
O poeta desce pro Metrô, frustrado, e na escada rolante, agarrado. desvia-se dos braços de esmola, esticados, pendendo o seu corpo pro lado.
O conto sobre Maria e o trem dos amontoados ficarão prá outra viagem. Quem sabe um dia sem esperar a inspiração virá e outras marias com outros penteados serão heroínas do poeta, que segue a sua sina no trem dos desafortunados.
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