
O homem feito em palavras
Data 06/04/2025 14:03:38 | Tópico: Poemas -> Reflexão
| O homem feito em palavras É cada ser pulsante Que caminha sobre tudo o que é vivo. Não é carne, é verbo. Não respira — declama. Carrega no peito um dicionário de sonhos, E nas mãos, O silêncio que só a poesia sabe ouvir. Porque o verbo nasceu antes do passo, E o nome veio antes da face. O homem, este poema em carne, Vive entre o que sente e o que diz, Entre o som e o sentido. O homem feito em palavras Não é apenas o que diz, Mas o que tenta dizer e nunca alcança. É construção infinita — Um eco do que sente, Um reflexo imperfeito do ser. Cada ser pulsante Que caminha sobre tudo o que é vivo Carrega dentro de si uma biblioteca invisível. Línguas não ditas, Sentidos que escorrem entre os dedos da razão. O humano é um texto em constante reescrita, Feito de dúvidas, metáforas e silêncios. Viver é interpretar-se. Ser é traduzir o indizível. E enquanto caminha, O homem busca uma palavra que o defina — Mas ela nunca vem completa. Talvez porque a verdade do ser Não caiba em vocábulos, Mas no intervalo entre eles. Há uma essência que antecede a matéria: o verbo. O homem não nasce apenas do barro ou do sangue, Mas da palavra que o nomeia. Antes mesmo de saber quem é, Ele já foi dito por outro E, ao ser dito, foi moldado. O ser humano é um texto em constante revisão. Não é estático, nem plenamente compreendido. Cada indivíduo caminha como um manuscrito aberto, Com margens riscadas de desejos, Erros, e verdades provisórias. A linguagem não o limita — o revela em fragmentos. O que escapa à linguagem, porém, É o que mais o define. Toda tentativa de se dizer É também um gesto de criação. Falar de si é nascer de novo, E cada palavra usada para explicar o que se é É também uma tentativa de escapar do que se foi. Caminhar sobre tudo o que é vivo É, portanto, um ato de tradução. O mundo é um texto sem pontuação final, E o homem, esse ser pulsante, É leitor e autor ao mesmo tempo. Interpreta a si mesmo no reflexo do outro, E, na escuta silenciosa da vida, Reconhece que existe mais no não dito Do que no que ousa ser pronunciado. Talvez, no fim, o que somos Não caiba na lógica ou na gramática, Mas apenas no mistério poético de estar vivo: Um poema inacabado, Escrito a cada passo Sobre a superfície do ser. Poema: Odair José, Poeta Cacerense www.odairpoetacacerense.blogspot.com
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