[ As palavras torturantes, partidas em sílabas, instam sair Para se deitarem no papel, seu branco leito que as almeja As ideias se amontoam como insetos no ventre da noite Velhos versos qual casas mutiladas na sombra dos olmos Cruzar portas abertas, dar-lhes as costas e seguir adiante Então, sentar-se qual o cão que aguarda o dono ausente E desse olhar de onde vim compreender, por fim, a vida Os sonhos postergados na memória qual velha fotografia Clamam, escandalosamente, a retomada de seu caminho Fomos amantes solitários dispersos por atalhos na cidade Uma aventura iniciada no abraço até as bocas de volúpia Na gaveta da aparador, cartas que foram a raiz de tudo Sementes inquietas de papel que inventaram este poeta Sonhos de tinta, a lembrança que viestes com o outono E compartilhamos a mesa, os gestos e também angústias Dia após dia, da varanda assistíamos o balé das nuvens Mas o destino trouxe o chamado de um lugar distante Na penumbra dos dias que anunciaram a minha partida Choravas como chora o mar nas madrugadas à beira-mar Da janela, via-se o trem azul pronto para última viagem Então cruzei um abismo feito de silêncio, apagaste a luz Restou uma parda silhueta do local onde fui mais feliz Afeiçoei-me à dor, almejo que já ligues a luz sem chorar
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