
Debaixo do Mesmo
Data 23/02/2025 10:36:49 | Tópico: Prosas Poéticas
|  às vezes toda dor faz sentido, ou talvez finja fazer — como a chuva que cai enviesada, desenhando espirais invisíveis, mesmo quando o guarda-chuva tenta proteger.
mais vale rir e seguir em frente do que deixar a tempestade desarrumar o cabelo. mas a água sempre encontra um caminho, escorrendo pelas rachaduras que a alma finge não ter.
estás a ver? o chão espelha o céu, e ninguém repara, os passos são gotas escorrendo em direção ao aspirador — um vórtice faminto que engole o que escapa.
– reparaste como a chuva sempre tem pressa? – ou talvez sejamos nós, correndo demais para fugir de algo que só quer nos molhar.
abaixa, olha, oh! trovões riscaram o céu, como crianças entediadas rabiscando um caderno velho. mas aqui embaixo, o guarda-chuva é pequeno demais para dois silêncios. não acha?
o sorriso é mesmo um vinco lindo na pele, frágil como papel molhado. – leu o seu horóscopo hoje? pensei em um café quente, agora imagine o fim do universo em câmera lenta, um colapso sereno, sem aplausos.
os pingos batem no tecido tenso e escorrem, parece desenhar mapas de lugares que só existem no erro, como frases que desistem de ser ditas no exato momento em que quase ganham voz.
– a vida é só isso? chuva e esquinas que a gente nunca dobra? – não. às vezes tem bolo, ou um abraço que dura mais que o esperado.
a ironia pinga do céu e mistura-se ao riso contido. a cidade curva-se sob a água, mas eles seguem, descompassados, cada um carrega a sua própria enchente.
e quando a chuva para, nenhum dos dois percebe — estão molhados demais por dentro.
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