
Sereia
Data 07/02/2025 14:12:03 | Tópico: Prosas Poéticas
| Sereia, és um mito feito de veias de mar e ossos de espuma, onde cada escama brilha como uma estrela afogada. És o reflexo fugidio que habita o interstício entre o sonho e a matéria, entre aquilo que se pode tocar e aquilo que somente se pode contemplar. Os teus cânticos não são apenas melodias: são promessas e despedidas costuradas com o fio das marés.
Nadas entre os colossos oceânicos, teu corpo se enlaça nas sinfonias das baleias, cada nota uma gota ancestral de saudade. As águas são o teu abrigo e o teu cárcere, e em teus olhos há profundezas que os homens jamais sondarão. Tua existência é feita de paradoxos – viver em plenitude no mar é também viver em ausência para a terra. Por isso, teus beijos são lâminas de sal: acendem velas na sombra, mas também apagam o fogo de quem tenta aprisionar-te.
És tanto o desejo quanto o limite do desejo. És o apelo que chama aqueles que jamais poderão alcançar-te. E talvez seja exatamente aí, na impossibilidade de pertencer, que tua essência floresça. As tuas escolhas são ceias de mariscos sagrados, e em cada travessia deixas uma parte de ti submersa nas correntezas.
Mas, sereia, e se tu ousasses andar entre nós? Queimada pelas brasas de mãos humanas, que restaria de tua cor? A terra exige sacrifícios, e talvez o preço seja a morte de quem és. Assim, habitas eternamente o entrelugar dos encantos – onde ninguém chega completamente, mas onde todos te desejam como uma miragem que jamais se dissipa.
Por isso, és eterna, mesmo quando teus rastros se apagam no sal.
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