Conversa: Manoel de Barros & Mario Quintana - Como seria?

Data 31/12/2024 23:38:22 | Tópico: Prosas Poéticas

Manoel:
Sabe, Quintana,
eu gosto mesmo é do chão.
Do que fica perto dos pés,
os bichos, as formigas que sabem segredos
que nem o vento entende.
E você, anda inventando
o quê nesses dias de poeira?

Quintana:
Manoel, eu ando olhando
pras sombras das coisas.
Elas me contam histórias,
e eu fico calado, escutando.
Você já viu como o silêncio
tem voz de brisa?
É quase como escrever com o invisível.

Manoel:
Ah, o invisível…
Eu desconfio que ele mora
nos fios de água do riacho.
Outro dia, uma rã me contou
que o passado dorme
em poças de lama.
Você acredita, Quintana?

Quintana:
Acredito, Manoel.
Porque o passado também me visita.
Mas ele vem disfarçado de estrela cadente,
passa rápido, mas deixa um rastro.
E o futuro? Esse eu nunca vi.
Acho que ele mora nas esquinas,
brincando de esconde-esconde.

Manoel:
O futuro tem cheiro de mato molhado.
Deve ser por isso que ele foge,
porque não quer ser pego.
Mas, enquanto isso,
eu faço amizade com os girassóis.
Eles me ensinam a dançar com o sol.
E você, Quintana, dança com o quê?

Quintana:
Eu danço com os sonhos, Manoel.
Eles são feitos de neblina,
mas, quando a gente acorda,
fica sempre um pedaço grudado nos olhos.
E é com esse pedaço
que eu escrevo.

Manoel:
E eu escrevo com as sobras,
com o que os passarinhos deixam cair
nos galhos do tempo.
Talvez seja por isso que minhas palavras
sempre nascem tortas,
mas o torto é mais bonito, não é?

Quintana:
É, Manoel.
O torto tem a poesia de quem se dobra,
mas não se quebra.
E no fundo, o que importa mesmo
é que a gente nunca deixe
de conversar com o mundo.



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