
Aldeia claudicante
Data 30/11/2024 10:10:05 | Tópico: Poemas
| A luz que me ilumina me encandeia Quando quero mostrar o que não se mostra na aldeia. Preciso pintar um quadro convincente, Mas que não mostre o papel de certas gentes.
Tenho que fazer vista grossa Para a gente fina Que sempre endossa O que vem de cima. Tenho que viver em uma casa sem botão, De peito aberto e sem alma na mão.
A minha alma é livre para navegar, Desde que eu consiga negar: Que os sentidos estão no sentido que interessa Aos que mandam na conversa, Que a luz da casa grande chega à senzala Para indicar uma direção, não para iluminá-la.
Tenho que vender como autênticos os falsos Picassos E me emporcalhar na lama do riacho. Tenho que dizer que o “penso, logo existo” É uma ofensa a Jesus Cristo.
Não posso mostrar que a escravidão mudou de roupa, Mas está aí de vento em popa. O excesso de exploração é uma marca marcante, É um traço que mancha a aldeia claudicante, É um dos fios que perpassa toda a teia E quem tentar quebrá-lo será o peixe da ceia.
O que há por trás das cortinas de fumaça não pode aparecer E a minha pintura tem que parecer Uma representação verdadeira. Tenho que vender uma parte como inteira. Manipular e dissimular para se apropriar. Preciso ser cínico, preciso apodrecer, Preciso mostrar para esconder, Preciso me esquivar das manobras Dos que veem o povo como mera mão de obra. A pintura desse quadro, Em minha alma, faz estrago.
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