
De onde vem
Data 23/11/2024 13:24:47 | Tópico: Poemas
| Um espanto me deixou sem sair do canto Correndo a vista nos cavalos do seu Franco. Nesse olhar, percebi o abismo que há Entre o cavalo de carga e o cavalo de passear. Pra começar, o cavalo de passeio jamais deve trabalhar, E o cavalo de carga jamais deve passear. Pro cavalo de passeio não falta ração, Não falta vacina, não falta água, não falta nada não. Já o cavalo de carga, seu Franco só falta matá-lo De sede, de fome, de trabalhar para sustentá-lo.
O cavalo de passeio vive protegido Da chuva, da poeira, do sereno… O cavalo de carga sobrevive dolorido, Explorado, abandonado, gemendo. O cavalo de passeio não pode ficar feio, Seu cocho sempre, sempre, está cheio. Já o cavalo de carga nem cocho tem, Mata a fome na estrada transportando feito um trem.
O cavalo de carga não tem vida, É um meio para o seu Franco construir a avenida. Depois do dia todo na estrada, Seu Franco solta o cavalo, dá-lhe uma lapada, Se aproxima do cavalo de passear E faz um afago para o bicho relaxar.
No dia a dia a carregar O que o seu Franco quiser transportar, O cavalo de carga vive a suportar Mais do que o lombo pode levar. Quando o cavalo se entorta sem aguentar, Seu Franco usa um relho pra argumentar. Enquanto seu Franco lapeia Diz que o cavalo não aprende, Então a chibata será sua ceia Para que ele se emende.
Seu Franco lapeia, lapeia, lapeia, Lapeia que o calombo encandeia. Mesmo trabalhando o dia todo, todo dia, Sendo os pés e as mãos de seu Franco e família, Diz seu Franco que o cavalo é preguiçoso E o trato com ele não pode ser amistoso.
Agora, o cavalo de passeio ele diz que é de vergonha, Vistoso, forte, corajoso, do jeito que ele sonha. – O cavalo de passeio não precisa levar lapada. – Mas o cavalo de passeio não faz nada! É um parasita voando na varanda. É qualquer coisa que não anda. E quando anda seu Franco só falta inverter os papéis: Ao invés de ser os dedos seu Franco ser os anéis.
Observando a diferença entre o cavalo de carga e o de passear Eu entendi o modo de um camponês mandar o filho estudar: – Quem não dá pra sela, dá pra cangalha. A sela é do cavalo de passeio que se espalha. A cangalha é no cavalo de carga, açoitado, Que existe para ser explorado.
De onde vem a diferença entre um e outro cavalo? Matutei, matutei… em um instante tive um estalo: O cavalo de passeio veio em um navio de passageiro. O cavalo de carga veio em um navio cargueiro. O de passeio veio livre, leve e solto. O de carga carregado, todo torto. O de passeio recebeu asas para voar. O de carga foi acorrentado, obrigado a sofrer sem reclamar. O de passeio era dono do seu nariz. O de carga tinha a marca do dono como cicatriz. Uma cicatriz que muito diz Sobre o quadro negro sem giz E um cenário sujo coberto de verniz.
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