
GERAIS — a bandeira das minas
Data 18/06/2022 10:39:13 | Tópico: Épicos
| GERAIS - A bandeira das minas introito I Fiz das tripas coração E, do coração, El-Rey. Esmeraldas lhe busquei Nos vazios do sertão Sem temer quanto não sei.
II Contudo nada encontrei Além de montanhas d’ouro… Mais toda sorte de agouro Com gentes sem grei nem lei Para o meu próprio desdouro.
III Ao fim, o oculto tesouro N’aquelas verdes serras Caiba por mortes e guerras, Face ao juízo vindouro, A franças ou inglaterras…
IV Alterosas, essas terras Por trás de brancas neblinas. Veem o caminho das minas Onde vacas e bezerras Velam almas peregrinas.
V Mar de morros e colinas A espalhar-se do mirante, Estende-se face ao errante, Enquanto entoam matinas As jandaias do levante.
VI Com efeito, bandeirante, Pus em marcha uma gente, Antes brava que valente, Buscando ao Fado inconstante Sua fortuna esplendente.
VII Fui, muito embora doente, Encanecido e curvado Atalhar mato cerrado; Garimpar rio corrente; Subir e descer brumado...
governador das esmeraldas VIII Um cristal esverdeado Encima a Coroa Real. Novo rei sem cabedal Pelos mais é aclamado: — “Por El-Rey de Portugal!”
IX Um poder só é real Se muda a face do mundo. Um grão somente é fecundo Se faz florir um quintal. Nem ninguém, nem todo mundo:
X Um império moribundo Em seu antigo regime De escravidão e de crime Busca expandir-se rotundo Quando conquista e reprime.
XI Mas o bem que lhe redime É a infinda miscelânea Da brisa mediterrânea Com a aurora do sublime D’América litorânea:
XII Em geração espontânea, Filhas e filhos mestiços Elevaram, insubmissos, Sua riqueza cutânea Acima de olhos castiços.
XIII Por artes ou por feitiços A encantar a Humanidade, Seja a tropical verdade Exaltada em seus serviços Por Paz e por Igualdade.
XIV Haja mais brasilidade N’esse mundo de contrastes! Seja a bandeira nas hastes O estandarte da saudade, Não a mortalha de trastes!
XV Em trilha, siga os desbastes Quem passa por onde passo. Ande com desembaraço As estradas sem arrastes Que abri com o próprio passo.
XVI Porque a riqueza do escasso É fazer mesmo sem meios. E quando d’El Rey os anseios Executei com meu braço Foi por saber já sem freios
XVII O coração sob os seios D’essa Pátria brasileira! Quando a afamada bandeira, Por esforços e vagueios, Transpôs a alta Mantiqueira,
XVIII Nascia a terra mineira No reino dos cataguazes E dos mapuxos audazes, Por trilhas de chão e poeira Após marchas contumazes.
XIX Então, nos sertões vorazes E seus poentes vermelhos Os anos a andar parelhos Envelheceram rapazes Tal como enterraram velhos.
XX Talvez se levando espelhos Sequer de si em seus rostos Veriam caindo indispostos Onde a cruz dos Evangelhos Marcou-lhe os finados postos.
XXI Mil fadigas e desgostos, O governo das procuras Pelas gemas verdes puras Entre os erráticos gostos De sertanistas figuras…
XXII Pelas noites mais escuras Em meio a febres palustres Tive em delírios ilustres A antevisão das farturas Das esmeraldas lacustres!
XXIII Da murada de balaústres Do palácio dos confins Admirava entre festins Mil aves hábeis e industres A se aninhar nos jardins.
XXIV Ali não há homens ruins Tampouco males ou mortes. Há só destinos, não cortes: Começos, meios e fins, Seguindo imutáveis nortes.
XXV Iguais, os fracos e os fortes Cultivando um solo grácil Que faz brotar ao tufácio Dos mais ousados as sortes Em lavras de lucro fácil.
XXVI Governador sem palácio, Senhor de abismos e faldas, Percorre paragens baldas Em busca d’outro falácio: A lagoa das esmeraldas…
no passa-quatro XXVII Nos altos, d’alvas grinaldas S’estende a neblina aos serros. Só pelo Embaú, nos desterros Se lhe achegava às espaldas Sem mais desvios nem erros.
XXVIII Alimária posta a ferros, Vanguardas de sertanistas Plantando roças em vistas Da tropa levada aos berros Pelo avanço dos paulistas:
XXIX Mandiocais de conquistas Onde pousavam sem cura… Clareiras na mata escura Entre si decerto distas Por longa caminhadura.
XXX A trilha em serras figura As voltas d’uma serpente: Quatro vezes indo em frente Se passa um rio à procura De pousada tão somente…
XXXI —“Lugar deserto de gente, Abra o sertão do Gerais Ao caminho dos demais! E de roça em roça aumente A esperança dos cristais.”
no sabarabuçu XXXII Ao longe ecoam os ais Das velhas de beira-rio… Em face do serro frio, Foram deixadas p’ra trás À mercê do tempo impio.
XXXIII A este páramo sombrio Chegou a tropa comprida. Pela notícia sabida Que em meio ao sertão vazio Rochas brilhavam com vida!
XXXIV D’esmeraldas a jazida Por antigos descoberta, Permanece ainda incerta, Em terra desconhecida Pelas brumas encoberta.
XXXV N’aquela extensão deserta, Indícios d’um ouro escuro Reluz em cascalho duro Face à visão mais alerta Do garimpeiro seguro.
XXXVI Aqui e ali faz monturo Cada grupo prospector Em grupiaras de valor Deixando para o futuro Sinais a um povoador.
XXXVII Sem senhorio ou senhor, Terras e suas riquezas Têm antes dor que certezas Àquele que, possuidor, Se cerque de tais belezas.
XXXVIII D’entre as nobres naturezas Dos metais e gemas ternas Têm-nas o serem eternas E darem amplas grandezas Mesmo nas fundas cavernas.
IXL Pois monarquias modernas E burguesias bancárias Pelas questões monetárias Financiam as badernas De colônias arbitrárias.
XL Companhias usurárias A demandar mais minérios Fazem de reinos impérios Por estas estradas várias A findar nos cemitérios.
XLI E foi por tais desidérios Que, enfim, Sabarabuçu Sem existir a olho nu Criou-se em meio a mistérios A encher d’El Rey o baú…
XLII À sombra do embiruçu Eis um século d’ouro! Recém achado o tesouro D’um mundéu o murundu À beira do vertedouro.
XLIII Assim o povo vindouro Reencontrará essa lavra, Fiando na velha palavra, Da história de Sumidouro Que fundo n’alma escalavra.
no sumidouro XLIV Perto d’onde hoje se lavra O calcário dos cimentos (após mil padecimentos…) O bandeirante apalavra Em cartas seus movimentos.
XLV À esposa, mais provimentos Aguarda e forma fazenda. Lá teve início a contenda De cujos enforcamentos Tão pouco ou nada s’entenda.
XLVI Conta-se — verdade ou lenda — Que fora seu próprio filho Quem se arvorara caudilho N'essa remota vivenda Sem o esmeraldino brilho.
XLVII Reunira de afogadilho Um bando de descontentes E lhes armou, entrementes Buscassem tomar o trilho De retorno a suas gentes.
XLVIII Entretanto, imprevidentes, Foram todos surpreendidos. Logo após os desvalidos Morrem na forca pendentes E no opróbrio conhecidos...
XLIX Até hoje são ouvidos Os gritos dos enforcados Nos silvos amargurados Dos ventos compadecidos Uivando sobre os sobrados.
no vapubaçu L Tantos anos já passados E nada de verdes gemas A encimar novos diademas…! Tantos já desanimados A ponderar seus dilemas…!
LI Tantas vontades supremas A medir forças em vão Pelo poder d’este chão…! Além das serras extremas S’encontram na escuridão,
LII Na imensidão do sertão, Maior o homem quando grande O seu legado ele expande Acima da compreensão Ou por mais longe que se ande.
LIII Bem obedeça a quem mande Quando em seu nome governe. A sorte lançada alterne Diante da espada que brande Contra a ilusão que discerne.
LIV Quantas palavras externe Pouco dirão, em verdade, Da imensa tenacidade Para se chegar ao cerne Onde a nacionalidade.
LV Mas a lagoa e a novidade Das serras resplandecentes Como esperados presentes Chegam à velha cidade Em pedrinhas reluzentes.
LVI Em São Paulo, seus ausentes São afinal celebrados. Para o Reino despachados Tão verdes que transparentes Os cristais lá encontrados.
LVII Mas, apesar dos achados Pela afamada bandeira, Na jornada derradeira Cai sem devidos cuidados De febre e de tremedeira.
LVIII Sem embargo, brasileira Essa terra se agiganta. A cada sol que levanta Outra esperança mineira Em verdes pedras encanta.
LIX Não esmeraldas decanta, Sim esguias turmalinas… Ignoram das gemas finas A natureza mais santa Do brilho em suas retinas.
LX Porém já defunto em Minas O velho Governador… Morre sem saber valor Menor das cristalinas Pedras em seu desfavor.
LXI Não obstante, o explorador D’estas terras alterosas Ascende com poderosas Luzes sobre o altar maior Pelas façanhas famosas.
LXII Já não restem duvidosas Para o Panteão Brasileiro As conquistas do primeiro, Cantado em versos e prosas, Senhor d’esse chão mineiro!
nas minas gerais LXIII Hoje caminha sendeiro Logo ao raiar madrugadas Por sobre as suas pegadas Os pés d’esse povo inteiro Havendo em seu trilho estradas.
LXIV Hoje trafegam pesadas Dos mais valiosos minérios Mesmo em climas deletérios As tropas motorizadas Onde antes apenas mistérios.
LXV Seguem os seus desidérios ‘Inda a cortar os Gerais As estradas principais Seguindo os mesmos critérios: Serras e vales iguais.
LXVI Sobre os sertões naturais Prosperam suas cidades Ciosas das liberdades Conquistadas de fatais Tiranos sem qualidades.
LXVII Mas mais justas sociedades Cresçam com o seu legado. Tenham do heroico passado Luz às novas realidades Que o povo tem enfrentado.
LXVIII E seja sempre lembrado Seu nome de fundador Diante do imenso valor De seu sacrifício honrado E sonhos de vencedor.
epílogo LXIX O grande governador, Celebrado em sua glória, Pelas páginas da História Ensine em nosso favor A verdadeira vitória.
LXX Visto tão mais meritória Enquanto com persistência Superar toda a indolência. Deixar, de feliz memória, O valor da experiência.
LXXI Ter força e também paciência Para sem mais privilégio Servir ao pedido régio De pôr sua competência Em favor d’um bem egrégio.
LXXII Cantem em grão florilégio Esses versos, afinal, O seu feito sem igual Pelo pátio do Colégio Da paulista capital.
LXXIII Então do achamento real Venham de novo lembrar-se Como afirmara ao final: —“É coisa que em Portugal Com certeza há-de estimar-se...”! *
Betim - 17 06 2022
Fernão Dias, em carta datada de 27 de março de 1681: "Deixo abertas cavas de esmeraldas no mesmo morro donde as levou Marcos de Azeredo, já defunto, coisa que há de estimar-se em Portugal."
|
|