
AS PEDRAS DA MINHA RUA
Data 02/07/2021 18:52:02 | Tópico: Poemas
| . . . as pedras da minha rua estão morrendo; morrerá junto o meu diário em pleno céu aberto. espaço das imagens e palavras vivas, dos versos que transcrevo com a conivência da minha pena, e da janela do quarto no sobrado onde durmo.
páginas e páginas vão sendo preenchidas; cheias de olhares e sentires, flagrantes carnais, e observações banais...
nelas vou anotando os pés que se arrastam; uns ariscos, outros mórbidos, os mancos. também os passos bêbados cambaleantes, dos notívagos e dos boêmios inveterados.
anoto o pisar frenético diurno das gentes; pontos virgulas xingamentos e exclamações entre o passar contínuo e acelerado dos veículos, as reticências nos riscos das bruscas freadas, e a borra da borracha das fricções nas arrancadas.
tudo está destruindo as pedras da minha rua. que adoeceram de tanto lixo. dos bichos soltos; que sujam e enojam as pedras da minha rua; indignada dos cuspos, escarros, mijos, fezes, que fede e denigre as pedras da minha rua.
tristes estão as pedras da minha rua, envelheceram, cortaram suas árvores que floriam, perfumavam, e caídas, coloriam os granitos alisados pelo tempo, e disfarçava os altos índices do ar poluído agora; nem asseio, nem beleza e nem sossego.
as pedras da minha rua também tem medo, e sede aterrorizada ante as sirenes e rajadas, com as explosões das granadas, tiros traçantes, balas traçadas, seqüestros relâmpagos, facadas...
por isso é que as pedras da minha rua choram; pelas pobres almas que deixaram as marcas das breves existências numa mancha de sangue, e a dor numa densa poça alcalina de lágrimas.
as pedras da minha rua, de desgosto estão morrendo, e junto, morrendo as gentes que ainda sabem dela.
vejo pela janela do quarto no sobrado onde durmo e percebo essa decadência, essa agonia delirante que transcrevo em poema, o drama e os gemidos, das pedras da minha rua nesse caminho incessante. sim, elas estão morrendo; as pedras da minha rua...
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