
Qualquer coisa sem propósito
Data 07/05/2021 17:01:36 | Tópico: Poemas
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A rua desce estreita até ao fundo do meu cansaço Vai estreitando-se para o fim, como qualquer coisa sem propósito Que estranhamente, todas as vezes que passei por ela Nunca consegui explicar
Nunca houve outra rua mais verdadeira e minha Do que aquela que me sentiu os passos todos os dias E da mesma maneira, nunca houve desses dias, somente um Em que soubesse quem eu era e me conhecesse por andar nela
É a rua onde cresci e me vi passar por mim Ao perto e ao longe E deixou-me marcas no corpo e na alma Por cair nela muitas vezes
É a rua onde andei desalmado com camisa bem passada Inconsciente com sapatos novos a pisar em tudo Onde andei, vestido de mim, como pessoa inteligente e sem futuro E hoje, é a rua que se inclina para falar de tempo e de espaço Sem falar de quem sou, sem marca nem memória que de mim lembre.
…
Corrida até ao jardim sem respirar Ir e voltar a deixar marcas pelo passeio e entrar em casa. Universos percorridos até à extinção da vontade de ir Ficar exausto, deitar-me na cama e saber que vivi
Se conhecesse, não tinha ido Se recordasse, não tinha voltado Por isso fui e voltei muitas vezes, não para conhecer nem para recordar [mas para me cansar e viver.
…
Chegar ao fim da rua sem saber a cor das paredes das casas Por nunca ter morado nelas E aceitar isto como desleixo de passar desinteressado por tudo e por todos Enquanto a rua desce e estreita Enquanto se inclina até não conseguir andar por ela
Chegar com propósito ao fim por viver muito Como se chega sem pressa ao fundo da rua Lugar de espaço e de tempo, onde se alarga o meu cansaço.
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