
Girassol
Data 25/08/2020 21:56:36 | Tópico: Poemas -> Reflexão
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Era outro dia chegando Estava a espera do brilho do sol A madrugada fria partia, intacta Minhas vizinhas já acordaram lindas Eram azaléias, orquídeas, margaridas Entre rosas, begônias e camélias A terra ainda encharcada da noite úmida Surgia meu poeta a observar, rotina Procurava entre nós o amor perfeito, Mas lá não estava, era ausente Seus olhos ávidos tinha o doce do mel Caminhava com passos sutis pelo jardim Suas mãos delicadas tocavam as rosas Com o cuidado precioso de um amor Eu, entre tantas, aguardava seu olhar Já estava virado ao sol, imponente Meu amarelo transbordava alegria Meu caule gigante já fora sua inspiração Minhas sementes saciam as aves, E o sol, nunca me deixou desfalecer Meu poeta era terra, mar e luar Tinha a fertilidade desse solo Inundava nossas cores com sua poesia E anoitecia trazendo a lua de companhia E o sol o queimava pelas manhãs, embriagado Minhas amigas o enfeitavam em suas poses Éramos sua vaidade, seu divã Recitava às margaridas seus sonetos Seus versos nos regavam de vida Matava nossa sede com suas rimas A cada estrofe, citava uma de nós Éramos sua revolução contra o canhão Suas palavras escritas e famintas Incendiavam sua espécie, seus irmãos de vida Seus desejos viajavam nos horizontes As orquídeas eram suas amantes O doce aconchego materno, margaridas As azaléias eram doses de ternura, irmãs Seu juízo perdia-se nas begônias, atraentes Murmurava às rosas, como confissões Acariciava as camélias, ruborizado, súdito Quase não me olhava ao alto Mas meu caule era seu encosto, desabafo Nesse dia, as nuvens chegaram sem aviso Esconderam meu amigo sol, tímido Traziam notícias, saudades talvez, um sinal Nesse dia, fitou seu olhar em mim Sacou do bolso um botão, não era de rosa Era da camisa vermelha e puída Vermelha sangue, puída de luta e poesia Que vestia em dias de conquistas Era um botão de camisa Que guardava a última casa Que encobria seu peito, seu coração Cavou ali ao meu lado no solo Um breve buraco, não era cova Era cultivo, era lembrança E recitou com voz embargada Seu último verso naquele jardim "Guardarei nesta terra, neste jardim Às minhas senhoritas flores Para meu fiel girassol, irmão Guardião desse jardim, nosso éden Um atalho de lembrança, amuleto Pequeno mas valoroso Desse botão, que num dia grudou-lhe uma semente de girassol Bem no perto do coração Num dia de luta e sangue Que aqui um dia plantei, esperança E minha poesia se fez vida Entre tantas sementes, Versos semearam, e hoje Tenho aqui um jardim, Que floresce colorido, com aromas Regado aos sonhos e devaneios Cultivados pela vida ao sol Sob o bailar das estrelas ao redor da lua Nesse jardim que repousei pensamentos Dessa metamorfose que somos, Que se chama poesia! Vida!" Disse isso e cutucou-me, traquino Partiu acenando, deixando só um botão enterrado Como se esperasse dele, nascer outro poeta Um outro que nos amasse como nos amou Seus pés caminhavam descalços Levando consigo a terra deste solo As cores e as fragâncias destas flores A procura do amor perfeito, inexato! Um orvalho, ainda que tardia Despencou de mim, sobre o solo Como um alento, um sopro, já saudade Era uma lágrima, dessa notícia de botão Despedida, inequívoca e pungente, Desse poeta que um dia Plantou a gente!
(M.Bessa)
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