
UTÓPICO
Data 03/12/2019 03:02:18 | Tópico: Poemas
| UTÓPICO
"A riqueza e a liberdade tornam as pessoas menos tolerantes com as ordens duras e injustas enquanto, por outro lado, a pobreza e a miséria embotam o espírito, tornando-as pacientes e retirando do oprimido o espírito orgulhoso da rebeldia."
por Thomas Morus, in UTOPIA
Enquanto entre oprimidos e opressores Se dividirem tantas sociedades, A Ordem que promovem os senhores Sustentar-se-á com vis desigualdades. De modo que os maiores e os melhores Vivam com numerosas propriedades. Os demais, que disputem pelos restos! Míseros, remediados e modestos...
Pouco importa onde vão morar os pobres, Como vivem e mesmo do que morrem. Apenas os burgueses, feito nobres, Obtêm dos reis as leis que lhes socorrem Pois, muito satisfeitos com seus cobres, Das agruras da vida sempre correm Até pensarem ser inalcançáveis No topo de pirâmides instáveis...
É sabido que os reis pela coroa Porfiam em manter esta estrutura, Cuja base, pessoa após pessoa, Permite dar a Alteza mais altura. Passando toda acção sua por boa Mesmo que alguma imensa desventura, Que para maior glória da Realeza Arrasta o povo a guerras e a pobreza.
Assim os reis submetem o próprio povo: Deixando-o na miséria e ignorância! E a esperança em qualquer governo novo É frustrada na estúpida inconstância Que demanda ao exaurido outro renovo. Ao passo que movido por sua Ânsia O rei conduza o povo para a guerra, Que espalha peste e fome pela terra.
Em todo caso, ao longo dos milênios, Os regimes, em cíclicos quartéis, Assistem ascender heróis e gênios A reis ou imperadores em corcéis E depois se retiram dos proscênios Ora discretamente; ora em tropéis!... Na Queda, tudo muda sem mudar Co'os pobres no mesmíssimo lugar.
N'algum lugar, porém, no tempo ou espaço Haveria aquela ilha afortunada, Na qual nada é sobejo nem escasso. Onde prata não é valorizada, Nem ouro ou cobre trazem embaraço. A riqueza não vale quase nada E os habitantes vivem sem conflitos, Tendo tão-só na Ciência os olhos fitos.
Não cuidam em possuir grandes vantagens Tampouco se acumulam privilégios. Buscam mais conhecer em longas viagens Alheios de quaisquer favores régios, Ao explorar remotíssimas paragens E abarrotar de livros seus colégios Onde gastam a vida em aprender Ao invés de mais prazeres a entreter.
Eles têm a paz como ideal superno; A guerra, como estúpido flagelo. Evitam relações co'o mundo externo E ainda de conquistas vão anelo. Contudo, obcecados co'o moderno S'esmeram em buscar o bom e o belo Em todos os aspectos da existência, Submetendo os seus feitos à consciência.
Cultivam em seus modos o respeito, Mas têm da intolerância tal horror, Que julgam toda forma de despeito, Verazmente, com máximo rigor! Visto que retratar-se d'um malfeito É dever de todo homem de valor. E há tal entendimento entre os ilhéus, Que vivem a admirar o mar e os céus.
Os mais afortunados por entre eles Cuidam em reverter ao bem comum, Provendo-se de bons panos e peles E garantindo a todos desjejum, Se ajudam, do doutíssimo ao mais reles, Sem que ninguém esqueça de nenhum. Em busca do progresso, todos juntos, Debatem com saber os seus assuntos.
Em suma, a educação, não a chibata Faz com que mais desejem bem servir Não algum abastado aristocrata, Sim gente que carece mais sorrir N'uma vida esforçada, mas pacata, A que haja mais fartura em seu porvir. Pois só com o progredir da maioria Haverá real progresso qualquer dia.
Porquanto, fim em si, o Capital Aos homens mais e mais faz diferentes: Elevam na pirâmide outro degrau Às custas de mais jugo sobre as gentes Até que em desespero, no final, Se levantem contra armas inclementes, Que espalham sangue novo sobre o chão E mantêm dos vencidos a exclusão.
Uns haverão chamar de Comunismo A Ordem d'este arquipélago utopista; Ou denominará Distributismo Se for mais religioso que sofista O crítico que, diante d'um abismo, Na tal Terceira Via ainda insista... Com efeito, Utopia, a sociedade É o sonho de toda Humanidade...
Não admira que um mar indescoberto Banhasse as suas praias ignoradas. Cercada d'um vastíssimo deserto, Embora de águas quentes e salgadas. E que mais ninguém saiba bem ao certo Se foram ou serão mais navegadas... Resta como o relato interessante Que um dia fez a um sábio um navegante.
Belo Horizonte - 02 12 2019
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