
QUATRO POEMAS SEM ALMA
Data 16/11/2017 19:51:10 | Tópico: Poemas
| QUATRO POEMAS SEM ALMA
1 queria escrever como se eu não fosse eu como se sequer alma tivesse e nada que escrevesse pudesse ser-me imputado
retirar minha humanidade dos escritos para neles ler somente a informação necessária ao leitor por isso e enfim, sem subterfúgios, lhe falar diretamente
pois toda a felicidade requer distração e inconsciência mas também olhos ávidos para ver o que é bom por isso aqui procuro versos que não planejo e que me levem, distraído e inconsciente, à felicidade não planejada.
alegria de não sentir dor ou amor e saborear as coisas à medida que se apresentam degustando sem adjetivos o que não tem nome
2 atravesso a rua para o trabalho e chuto a pedra no meio do caminho
não há glória ou tragédia nisso: é só uma pedra e não deixo margem para que interpretem isto ou aquilo mas convido o leitor a me acompanhar na minha vidinha sem tentar lhe iludir de que seja algo extraordinário
leio e me interesso pelo desinteressante que impinjo ao leitor ludibriado sem grandes verdades a ler poemas sem alma enquanto lhe desafio a abandonar o texto a cada verso insensato
atravesso a rua para o trabalho e chuto a pedra no meio do caminho
eu e o leitor sabemos precisar de uma história cujo desenrolar nos leve a algum lugar e preencha as horas vãs da existência todavia eu lhe ofereço não uma fuga sim o confrontar-se com o vazio de poemas sem alma
3 não subestimo a beleza tanto quanto não sou insensível à dor sou grato pelo que me fizeram de bom e ressentido das violências que sofri mas não vou fazer outra miscelânea no afã de oferecer memórias alheias àqueles que evitam as próprias
escrevo poemas sem alma
não escrevo para salvar ninguém ou moralizar a sociedade de meu tempo não tenho grandes ensinamentos tampouco lamento terríveis desgraças o extraordinário nos excita mas é o comum a matéria da vida escrever sobre o comum com desinteresse esvaziado de qualquer pretensão é a única verdade em que acredito é a única sinceridade literária que busco
4 não me ocorre dar ao ofício de escrever as pompas que se exigem outros ofícios sequer cobro algum vintém para que me leiam afinal, como dar valor ao que não tem preço? melhor que seja de graça
sobreviva eu de outras coisas e deixe nas páginas brancas irrealidades embora me deseje desilusionista e insista em lembrar o leitor todo o tempo de que nem tudo é verdade
seja isso por hoje
Betim - 16 11 2017
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